
TU CÁ
tu lá
Editora: Cunha Simões
Número de páginas: 258
Ano de edição:
- 1º Edição 31 de Janeiro de 1974
- 2º Edição 30 de Abril de 1990
Preço de capa:
Pequeno excerto do livro
Nota prévia
Em Março de 1974 saiu a 1ª edição de "Os Homens são Difíceis". O Portugal daquele tempo,
as
suas falas, a simplicidade do povo e a complexidade da vida nos segredos de cada um
resultaram na obra que, por não tencionar reeditar, coloco à disposição dos
leitores.
OS HOMENS SÃO DIFÍCEIS
O prazer do desconhecido é uma fonte deliciosa.
A carta indicou-me Penamaior.
Fiquei impressionado com a crueldade da palavra, soletrei-a mentalmente: Pe-na-ma-ior. Este engano trágico quase ia estragando a minha boa disposição. Não sou supersticioso ou pelo menos esforço-me por não o ser, mas chamar Penamaior a uma terra é algo desgastante para uns nervos irritadiços como são os meus. Só no carro consegui esquecer o incidente.
Os pensamentos, leves e inconstantes, aproveitaram esta distracção e esgueiraram-se através do passado. O grilar do motor e o barulhar das árvores fizeram o resto.
Aos doze anos dei conta da realidade dos seres à minha volta e senti-me feliz por ter descoberto a vida e o gosto de a viver.
O campo de motivações alargava-se com o saltitar do tempo e todos os dias descobria algo onde mergulhava maravilhado e me perdia durante horas. Sentia-me forte e capaz de enriquecer as minhas possibilidades. Cedo compreendi o poder do raciocínio e agucei a intuição como seu complemento. Cortei pedaço a pedaço todas as profissões e saboreei-as sempre ávido de não perder uma pitada deste mundo maravilhoso.
Hoje sou padre. Padre! Só de ouvir a palavra sinto a nostalgia da Idade Média.
Padre! Eu que nunca soube distinguir uns braços de mulher de uma oração. Padre!
O binómio mulher-Deus tem-me acompanhado sempre; quando sai um entra o outro. Serei capaz de desempenhar, com dignidade, este primeiro cargo ao serviço de Deus? Terá o elemento feminino pesado no meu subconsciente para explicar este novo ataque de misticismo?
Ah, o esquecimento é um privilégio! Felizes aqueles que esquecem o dia de ontem e nunca mais o recordam.
Passam os anos tão depressa! Como é fugaz o tempo da inconsciência-feliz! Como vai longe a Terezinha das tranças loiras, de olhos de anjo e de suspiros fundos...
A Maria Luisa, onde estará a Maria Luisa? Como era ingénua! Brincávamos aos médicos, ela descobriu o que eu nunca tinha notado, quase esqueci a Elizabeth ardente e triste, tão sonhadora como eu, tão necessitada do mundo... acreditando em Deus pelos homens e amando cada homem como se fosse um Deus. Querida Elizabeth! Tudo era prazer; um fogo lento, avassalador, terno, envolvente, infinito... uns lábios... perdoa meu Deus... são as despedidas...
A dois passos do futuro não tenho ninguém. Corro ao encontro de um lugar para cada ser e para cada coisa e não vejo o sitio ideal onde colocar o Homem. Esse homem paradoxo; misantropo e filantropo, pacifico e guerreiro, abstémio e lúbrico.
Esqueçamos as desilusões e as ilusões e abracemos a nova vida com sofreguidão.
Antes de o fazer, e sem Te magoar muito, lembras-Te dos meus dezoito anos, meu Deus? Coberto de misticidade amei-Te como um pequeno déspota abandonei amigos e conhecidos. Desconfiava deles e de mim. Aborreci os próprios pais. Tantos sacrifícios, tantos sonhos desfeitos! Vinte anos de diferença representam uma grande distância... nem eu os compreendia, nem me fazia compreender.
Como Te desejava quando as minhas dúvidas sobre a Tua existência me assaltavam e como tinha necessidade que não fosses uma indelicada ilusão para entreter meninos, sofrear impulsos e servir de suporte a idealismos duvidosos.