DROGA

Pais

Professores

e Governos

são os culpados

 

Cura e recuperação através das plantas medicinais

Aos jovens, esquecidos pelos deuses, e envolvidos em nuvens brancas de droga, com a certeza de que há sempre um meio para regressar à vida

Depósito legal: 104463/96

Copyright: Fernando José Côrte-Real Cunha Simões

É a inteligência que conquista o mundo, não são as bombas nucleares.
A RESSACA

Fui chamado pelo pai do Francisco eram quatro da manhã. O jovem parece um farrapo. A mulher enrolada a um canto é a imagem de um cadáver.
O Francisco está com as pupilas muito abertas. Não prega olho há três noites, o colchão da cama encontra-se encharcado e com o cheiro característico do produto filtrado através da pele. Suores frios fazem que trema a cada instante. Levanta-se a todo o momento. Uma ansiedade indizível perturba-lhe os sentidos. Não é capaz de parar. Sente uma energia tão forte no interior do corpo que tem de a deitar fora, mas não consegue. É um aperto diabólico que o deixa inquieto. Está eléctrico apesar de não dormir. Sente dores por todo o corpo. Os músculos estão de tal modo rijos que ele pensa morrer a cada instante. A ansiedade é cada vez maior e pede insistentemente um pouco de droga. Está a ressacar com dores horríveis. A ressaca deixa-o desfigurado.
A Cristina apresenta-se cheia de equimoses porque a ressaca é de cocaína e está a ter as chamadas titanias. O corpo está titanizado, ela desmaia sucessivas vezes, a energia que tem dentro fá-la contorcer-se durante cinco ou seis minutos; tem como se fossem ataques epilépticos e uma força tal que são necessárias duas ou três pessoas para a segurar. Todas as vezes que o Francisco a tenta ajudar vai parar ao chão.
O Francisco e a Cristina estão a ressacar. O pai tinha-os levado enganados para a quinta.
- Veja-me esta desgraça. Desculpe tê-lo incomodado, mas eu não sei mais o que fazer. Estes desgraçados vão morrer...
- O senhor quer um cúmplice?
- Eu quero alguém que me ajude a sair deste inferno.
- Então liberte-nos! Deixe-nos ir à vida! - gritou Francisco.
- Ouça este infeliz. Quer matar-se a ele e à mulher. Nem se importa com o filhito. No que é que eu errei? Nunca lhe faltou nada...
- Deixe-me ir embora. Eu prometo que não volto a drogar-me. Prometo, juro pelo meu filho.
- Está a ouvir? Já me jurou pelo filho uma centena de vezes. Tenho cedido sempre, agora basta.
- Vou conversar com eles.
- Por favor, diga-lhe que nós morremos. Eu não suporto mais esta sensação de vazio que me dilacera a mente e o corpo. Diga-lhe para nos deixar sair ou então dê-nos alguma coisa que nos alivie ou nos mate. Cristina está irreconhecível. - Chora.
- Era a rapariga mais bonita do concelho. Veja aquela porcaria de mulher. - disse o pai de Francisco.
- A Cristina vai curar-se e voltar a ser, outra vez, uma bela mulher.
- Diga-me o que é preciso fazer.
- Deixe-me falar a sós com o Francisco e com a Cristina.
- Seja aquilo que decidir, eles não vão sair daqui sem estarem curados.
- Se coloca as coisas nesse pé...
- Fiz tudo o que era possível fazer. Gastei uma fortuna. O pai dela também não se poupou a esforços e a mãe morreu de desgosto e de vergonha. Estes desgraçados, depois de casados, até prostituição pelas estradas fizeram. Veja a moral, o exemplo destes pais para uma criança se ela chega ao entendimento e assiste a estas cenas. A mãe morreu quando soube que um vizinho tinha relações com a Cristina e este desgraçado assistia à infame cena, sempre à espera que o outro se satisfizesse e lhe pagasse para ir correr comprar droga. Quando soube isto fui ter com o gajo, dei-lhe um par de murros. Ele respondeu-me: "Tem de andar ao murro com toda a gente cá da terra. Ela dá-se a todos e o seu filho aprova e partilha os lucros." Perante isto, ou o senhor os salva, ou eu os enterro.

DEGRADAÇÃO

Fiz compreender ao sr. Osório que era melhor eu conversar com eles a sós.
O Francisco, mal viu o pai sair, correu à porta e trancou-a com raiva.
- Tire-me daqui: eu dou-lhe tudo quando tenho. Faça de mim e da Cristina o que quiser. Os nossos corpos são seus. Arranje maneira de sairmos daqui ou traga-nos o produto. Eu indico-lhe onde o pode adquirir, e faça de nós o que quiser. Não é Cristina? - Disse ele virando-se para a mulher.
- Escuta Francisco.
- Eu não consigo ouvi-lo! Só tenho uma obsessão e ela faz-me sofrer horrores . Eu mato-me e ele vai morrer de remorsos .
- E o vosso filho?
- É dele. Nós não queremos o filho para nada, ele pode ficar com ele, não é Cristina?
- Cristina continua enrolada com as meias caídas e suja de sangue. A menstruação tinha-lhe vindo. Mostra-se indiferente. O cheiro era desagradável.
- Então?
- O teu pai está irredutível.
- Eu mato-me! Eu mato-me! Queres matar-te comigo, Cristina?
Cristina sussurrou:
- Tanto faz.
Ele foi fazer-lhe festas e encher-se de ranho e de sangue.
Era deprimente.
- São oito horas.
- Deixe-nos sair.
- O teu pai não está pelos ajustes e com ele é escusado lutar. Vamos resolver isto como gente crescida.
- Arranje-me meia grama de heroína e meia de cocaína. Isso chega para nos aliviar deste sofrimento.
- Vamos ver o que posso fazer. - Francisco agarrou as minhas mãos e beijou-as.
- Deixa-te de patetices! Já não és criança. Tens um filho.
- Fazemos tudo o que quiser. Tudo, mas tudo. A Cristina está ali. Pode servir-se dela quando quiser. Não é Cristina?
Cristina não conseguiu abrir os olhos.
- Não te degrades mais. Não precisas dar nada em troca para eu te ajudar. Não sou traficante, nem me aproveito das circunstâncias.
- Que vai fazer?
- Primeiro, vão tomar uma bebida que eu preparei e comer qualquer coisa.
- Não consigo engolir nada e ela ainda menos, não é Cristina?
- Se não beberem o que preparei, não posso ir arranjar o que vocês querem . Deixa-me ver o teu estado, Cristina. Sentes-te melhor?
- Doe-me todo o corpo. Apetece-me vomitar e não consigo. Por favor, ajude-me. Eu faço-lhe tudo...
- Espera... olha o teu marido.
- Ele não se importa, pois não, Francisco?
- Você é nosso amigo.
- Tem calma. Deixa-te estar como estavas. Assim, os joelhos vão-te doer.
- Não importa. Eu faço-lhe...
- Não desapertes. Está quieta. Vais tomar a bebida e depois conversamos. - Libertei-me de Cristina e trouxe-lhes a bebida que tinha preparado com endro, anis verde, badiana da China e vidoeiro. O endro para evitar os vómitos e preventivo contra as doenças pulmonares. O anis verde como antiespasmodico, a badiana da China como tónico e expectorante. Além de lhes dar um pouco mais de energia, ajudava-os a fazer sair aquilo que parece um escarro encravado nos pulmões. O vidoeiro para aliviar as articulações dolorosas e a bergamota para os ajudar a adormecer.
Foi o que aconteceu. O Francisco ficou na cama, onde tive de colocar um cobertor sobre os lençóis, molhados de suor e a Cristina num sofá que ela preferiu. Alguns minutos depois saí e fui ter com o Sr. Osório.


OS COMPRIMIDOS

- Como é que eles se encontram?
- Um pouco mais calmos.
- Eu pergunto-me qual é o gozo que aquilo dá, para estes palermas se drogarem e a seguir sofrerem como uns desgraçados?
- Um deles é seu filho.
- Era melhor que não fosse. Eu continuo a perguntar , onde é que eu errei?
- O sofrimento deles é impensável por quem nunca passou por esta situação.
- Que vamos fazer?
- Como não sou médico, não devo receitar qualquer fármaco e, neste caso, temos de os utilizar. Vai ter que procurar um clínico.
- Estou farto deles! Tenho gasto milhares.
- Agora ficar-lhe-á por umas dezenas. Não precisamos mais do que uns comprimidos para os primeiros dias devido ao estado em que se encontram.
- Voltam ao Paxilfar, ao Pacinone e ao Morfex.
- Está a tornar-se especialista.
- Infelizmente. O farmacêutico já me conhece e ele dá-mos.
- Não faça isso. Vamos pela lei. O médico pode receitá-los. Se ele quiser, pode vir observá-los, mas depois, nós seguiremos o tratamento com base nos produtos naturais e numa terapia adequada à disfunção mental em que ambos se encontram.
- A mãe está desfeita. Demos-lhe tudo.
- Apresse-se. As farmácias vão abrir e os médicos já estão a pé.


A CEGUEIRA DO TRABALHO

O sr. Osório chegou com os medicamentos e com a advertência do médico, “veja lá onde se vai meter.”
- Que faço? Abandono-os e nunca mais penso neles, ou sugere-me outra alternativa?
- Esquecê-los, o senhor não consegue. Ele é seu filho, a Cristina conhece-a desde que nasceu. É mãe do seu neto. Já que me foi acordar às quatro da madrugada, disse-lhe eu rindo, aceito o desafio. Farei o que puder e o que souber para que eles voltem ao estado normal.
- O sr. Osório abraçou-me comovido.
- Peça o que quiser. Salve aqueles desgraçados. Ele é o meu único filho. É a fraca herança que deixo a este mundo onde não fiz mais que trabalhar. Veja a minha desgraça. O senhor é a nossa última esperança. É a única maneira de a minha mulher, eu e o meu compadre ganharmos vida. A infeliz da minha comadre já não pode. Morreu de vergonha e de desgosto. Diga o que precisa.
- Vou ficar na quinta com eles.
- Neste momento há pouco que fazer nas terras e o pessoal limita-se ao mínimo. Só está o caseiro e uma ajudante de casa.
- Óptimo. O Francisco conhece alguma coisa dos trabalhos de campo?
- Sabe de tudo. Quando mais novo, perdia-se agarrado ao tractor nas sementeiras. Depois foi estudar e desinteressou-se.
- Não foi o estudo que o perdeu?
- Não. Foram as companhias e talvez a pouca atenção que lhe prestávamos. Sabe, a vida está difícil e nós cegamos com o trabalho. Esquecemos até os filhos. É a cegueira de ter sempre um pouco mais. O resultado foi este.
- Tem telefone?
- Tenho. Está ali.
- Leve-o. Desligue-o da ficha. Leve-o consigo.
- E fica sem telefone?
- Tenho o telemóvel. Sempre que precise de si, eu contacto-o. Antes de se ir embora, vou falar com eles. Já voltamos a conversar.

O COMPROMISSO

Mal cheguei junto do quarto onde estava o Francisco, ele soergueu-se imediatamente. O sono dos toxicodependentes é extremamente leve e uma pequena aragem acorda-os.
- Podemos ir embora?
- Vais tomar isto. - Mostrei-lhe os comprimidos. Ele fez uma careta e engoliu os que lhe dei. Teria ido a carteira inteira se lha tivesse passado para as mãos.
- E a Cristina?
- Tem aqui a sua dose.
- E podemos sair?
- Vou falar-te com toda a franqueza. O teu pai está desesperado. Ele não hesitará em te deixar sofrer para além do limite das tuas forças e da tua mulher até que te cures ou até que aconteça o pior.
- Não pode fazer isso, eu sou maior.
- Ele não se importa com os teus argumentos. É teu pai e tomou uma decisão já que tu, neste momento, não tens capacidade para o fazer.
- Eu sei o que faço.
- Se soubesses não estavas no estado em que te encontras. Só sais daqui curado ou...
- Morto.
- És tu que o dizes. Agora só tens a escolher. Aceitas a minha companhia e o meu acompanhamento ou vives com a sombra do teu pai e com a sua revolta.
- Ficamos na quinta?
- É.
- Com empregados?
- Sem empregados. A Cristina sabe cozinhar, tu sabes da parte agrícola e eu tenho os meus livros para escrever e a vossa vida para reiniciar.
- E não tem medo de ficar connosco? Somos ladrões. Eu sou proxeneta e drogado. Ela é prostituta a meu cargo. Acha que está seguro?
- Francisco...
- Vocês são todos os mesmos.Uns merdas! O que é que quer demonstrar? Que é santo? Que tem o condão mágico para nos livrar da droga! Mas nós não nos queremos livrar da droga, porra! Nós queremos droga! Não essa merda que não faz nenhum efeito e que acabei de tomar! Eu lixo-o! Eu dou cabo de si, se você não nos tirar daqui!
- Não dás nada. Tu nem força tens para a tua mulher, como é que podes dar cabo de mim?
O Francisco caiu sobre a cama.
- Desculpe. Eu não sei o que digo mas, por favor, arranje-me um pouco de cavalo senão eu não me responsabilizo pelos meus actos.
- Como quiseres. Vais ficar entregue ao teu pai.
- Isso nunca!
- Só tens duas escolhas: Ou eu, ou o teu pai. - Francisco olhou para Cristina que tinha engolido os comprimidos e se mostrava indiferente ao que a rodeava. Exalava um cheiro desagradável. Estava transparente. Naquele momento, perdera a condição de mulher.
- Que dizes Cristina?
Cristina continuou indiferente. Olhei para o Francisco.
- Ela está de acordo. Ficamos consigo, mas não é justo. Eu vou-me queixar à policia, logo que sair daqui.
- E que alegas?
- Sequestro.
- Saio fora. Entende-te com teu pai. Vou-lhe dar os cumprimentos. Passa muito bem.
- Espere! Nós aceitamos ficar consigo, não é Cristina? E não apresentamos queixa de sequestro. Isto é tudo a mesma merda. Eu já estive em quatro clínicas. Duas em Portugal, uma em Espanha e outra em Inglaterra.O velho gastou p’ra burro. É escusado. Eu e a Cristina não queremos outra coisa. Olhe, a droga agarrou aqui. - Francisco apontou com o dedo para a cabeça.
- Isso, limpa-se.
- Agarrou. A droga seduziu as células, casou com elas, tramou-as bem tramadas e agora elas não querem outra coisa . Que havemos de fazer, não é Cristina? Você quer tentar a recuperação? Tente. Nós já estamos tramados. Mais um a tramar que importa. Quer tentar? Tente. Não quero é ver meu pai, esse velho nojento e miserável, que há - de morrer podre de rico e de remorsos!
- Ele só pode morrer de remorsos se não fizer tudo para te ajudar.
- Deixe-nos sair daqui. Ajuda muito. .
- E tu vais roubar e ela prostituir-se para arranjarem droga. Quando tu e ela não se puderem levantar ou o vosso estado for tão nojento que todos fugirão de vocês, como vais fazer para arranjar droga, se os caminhos ficarão totalmente bloqueados?
- Matamo-nos, não é Cristina?
- É. - murmurou ela, com muita dificuldade.
- Muito bem. Matem - se!
- Espere. A gente ainda não quer morrer, não é Cristina? - Cristina não conseguiu levantar a cabeça. Cortava o coração vê-la. Eu tinha de superar qualquer piedade .
- Em que ficamos?
- Não podemos impor condições?
- Isto não é uma guerra, nem vocês são o inimigo derrotado. Eu sou contra as guerras. Quem as faz e desencadeia deve estar ainda mais drogado do que vocês.
- Apoiado. Toque. Eu também sou contra as guerras. Aceitamos ficar consigo, não é Cristina? Mas eu necessito de mais uns comprimidos senão rebento. Dá-nos mais comprimidos?
- Aqui estão. Para ti e para a Cristina. Hoje, podem fazer o que entenderem. Amanhã começa uma desintoxicação programada até estarem suficientemente fortes para saírem daqui capazes de arranjar trabalho e organizarem as vossas vidas. Estão de acordo?
- Temos alternativas?
- Não.
- Então estamos de acordo, não é Cristina?


O HORÁRIO


Os primeiros dois dias passados na quinta foram um período de adaptação, tanto para mim como para eles. As refeições vinham de casa do sr. Osório. Eles mal lhes tocavam. Para evitar perguntas, o que sobrava deitava-o aos animais embora me apetecesse entregar ao caseiro para ele distribuir por quem necessitasse, mas, para evitar comentários, próprios das terras pequenas, fiz a minha opção e apliquei-a.
Nesses primeiros dias deixei-os à vontade. Praticamente só os via às horas das refeições em que eles tinham dose dupla de comprimidos ou, sempre que eles desejavam, mais alguns.
As conversas eram breves. Nunca passavam de como estava o tempo, se tinham dormido bem, o que nunca acontecia, se o quarto estava arrumado, se queriam comer algo diferente, tudo necessidades naturais do ser humano.
Eu tentava escrever o que o pensamento ditava, mas não conseguia mais do que tirar alguns apontamentos sobre a situação de momento e fazer pesquisa sobre assuntos que penso, interessam a todos.
Ao terceiro dia e à hora do pequeno almoço, perguntei à Cristina:
- Como te sentes?
- Mal. Não consigo dormir. O corpo continua a doer-me horrorosamente. Por favor, liberte-nos.
- Por mim estais totalmente livres. Tenho de comuni-car o vosso desejo ao pai do Francisco e eu saio de cena.
- A Cristina não quis dizer isso. Estamos aqui bem. O pior já passou, compreende. A partir de agora já não vamos tocar mais em drogas, não é, Cristina?
- É.
- Escusas de mentir ou tentar iludir-te, Francisco. Sabes perfeitamente que, logo que saíssem daqui, a primeira coisa que faziam era procurar droga. É verdade ou não?
- É. - Responderam os dois instintivamente. Olharam-se, meio tontos, e desataram a rir.
- Como vêm, concordam comigo. A pergunta que agora lhes faço é a seguinte. Se soubessem que estavam seropositivos e que a droga e o álcool apressariam a vossa morte, tornavam a tocar na droga e no álcool?
- Não. - Responderam os dois.
- Antes que isso aconteça vamos conversar sobre estes assuntos e habituar o corpo ao trabalho. Aceitam?
- Não temos outro remédio. - Responderam novamente os dois e riram satisfeitos por terem dito a mesma coisa.
- Muito bem. Proponham um horário que seguiremos escrupulosamente durante um mês, depois consoante os resultados, será continuado ou reformulado.
- Podíamo-lo fazer em conjunto.
- Como quiserem.
Depois de alguma discussão, devido à resistência de Cristina e Francisco em se levantarem cedo, sempre acabaram por concordar com o seguinte horário.
Levantar - 8 horas
Higiene matinal até - 8,45 h
Pequeno almoço - 8,45 - 9 h
Tratar dos animais - 9 - 10 h
Arranjo de quartos e arrumo da casa - 10 -11 h
Conversa a três - 11-12 h
Preparação do almoço e descanso - 12-15 h
Leitura de jornais, revistas e livros - 15 -17 h
Trabalhos na Quinta - 17- 18,30 h
Preparação do jantar e arrumar a cozinha - 18,30 - 20 h
Televisão e conversas informais - 20 - 23 h
Deitar - 23 h.
A partir do quarto dia tudo foi seguido como estava planeado. Desses dias permito-me respigar algumas conversas que tive com o Francisco e com a Cristina e que revelam o percurso que todos os toxicodependentes fazem, pertençam eles ao extracto social que pertencerem. A droga igualitariza-os.
Aos drogados eu não vejo motivo para os tratar e chamar de doentinhos. Doente é um eufemismo com que os terapeutas pretendem dourar a pílula, e papás e governos acalmarem consciências. Os drogados ou viciados não são uns coitadinhos que tenhamos de carregar nas palmas das mãos enquanto eles roubam, se prostituem, alguns matam, até que também eles aparecem mortos numa qualquer valeta ou numa bela casa de praia onde já só restam as cortinas e onde as tábuas do soalho lhes servem de provisório esquife.

NÃO SOU HOMEM

O Francisco e a Cristina estavam muito inquietos. Sentámo-nos no varandim da casa que batia no terreno da quinta e deixei que o silêncio fosse quebrado por um deles.
- Isto é uma porra, prof. Isto é uma porra! Não sou homem.
- Não tem importância nenhuma o que aconteceu. - Disse Cristina.
Francisco baixou a cabeça.
- A “caneta” não funcionou?
- Foi isso mesmo. Não valho nada, não sou homem que preste.
- Eu gosto de ti assim. Não me faz diferença.
- Pudera! Já tiveste tantos homens que deram negas.
Cristina fugiu com as lágrimas nos olhos.
- Escusavas de ser indelicado.
- Oh, professor, não chateie, chateado ando eu!
- Desculpa. Começamos outro dia a conversa.
- Tem de ser hoje.
- E a Cristina?
- Deixe-a ficar. Eu falo com ela. Sou uma besta. Fiz insinuações parvas. Ela também sabe que eu dei várias vezes o que tenho só por causa da maldita droga. Não sou maricas e nunca me travesti. Mas há gajos que se aproveitam da nossa situação de carência para praticarem connosco as piores baixezas. Sacanas! Ainda bem que não sou capaz de os reconhecer. Em estado normal era capaz de os matar. É por termos medo que todos se apercebam que cheiramos a merda, que nunca mais saímos do atoleiro.
- Mesmo aqueles que tu julgas perfeitos, têm muitas falhas. Nem imaginas quantas. O homem não passa de um animal deficientemente preparado. Podes crer que nós não passamos de células do Universo, ainda mais pequenas e mais tontas do que as células do corpo.
- Isso não pode servir-me de desculpa.
- Toma esta bebida enquanto conversamos.
- Também bebe?
- Claro.
- O que é?
- Valeriana e pinheiro. Acalma e descongestiona os músculos.
- Também precisa de tomar?
- Faço companhia. Mal não faz e o corpo trabalha mais leve.
- Eu estava a brincar. Por mim, não faça mais sacrifícios. Já basta ter de aturar as minhas faltas de educação.
- Isso vai passar.
- É difícil. Eu posso estar a falar muito bem consigo, prometer-lhe que não volta a suceder e, mal lhe sinto o cheiro, não resisto. Isto é uma porra! Eu estou desgraçado e desgraço os outros. Nunca mais me livro disto. Mas tudo bem. O senhor quer tentar? Tente. Agora eu já estou mais conformado, mas sei que não vou ser capaz. Já sucedeu o mesmo das outras vezes.
- Já pensaste o que é morrer com sida?
-Vire para lá essa boca. Fale de outra coisa.
- Como foi a tua infância?
- Feliz, muito feliz. Os meus pais faziam-me todas as vontades.
- Na escola?
- Sempre fui bom aluno e a Cristina também. Ela estava num curso de design antes de me vir socorrer e entrar no cano.
- Mas tu, como eras tu?
- Era bom aluno, não chateava. A malta gramava-me à brava. Era um tipo porreiro. Quando entrei para o liceu, agora chama-se básico, era dos mais novos e um reguila do caraças. A malta mais velha não se importava que eu alinhasse com eles.
- Fumavas?
- Fumava os meus cigarritos, e por volta dos treze anos fumei o meu primeiro charro. Aquilo era só p’ró gozo porque eu tinha um certo medo.
- Porquê?
- Pouco tempo depois de eu começar a dar umas passas, vi um rapaz lá da escola, com quinze anos, ter preparado um chuto de cavalo, injectar-se e cair para o lado a espumar e a espernear. Tive um medo do caraças. Sonhei com aquela cena durante dias. Andei uns cinco meses sem cheirar nem o tabaco. Depois voltei ao mesmo e nunca mais me lembrei do que tinha visto.
- Recordas-te da cena?
- Recordo. O gajo estava bestialmente calmo e bem disposto, agarrou numa colher, pôs-lhe heroína, deitou-lhe umas gotas de limão, misturou com a medida de água, mexeu e puxou para a seringa. A verdade é que aquela merda devia estar marada e o tipo só não foi à vida porque os outros lhe acudiram a tempo. Deram-lhe um chuto de sal e mesmo assim foi preciso levá-lo ao hospital onde disseram o que tinha acontecido. Passou um mau bocado.
- Que é feito dele?
- Morreu o ano passado também com droga marada ou com uma overdose. Mas o gajo queria mesmo aquilo. As dores eram tantas que só encharcado de droga ele podia viver.
- E tu, sabendo isso, teimas em continuar?
- É muito difícil sair. A droga está aqui. Percebe? Aqui! E não sai. - Francisco bate desesperadamente na cabeça. - Isto põe-nos totalmente dependentes. Não temos saída. Estamos lixados. Aquela merda é boa de matar, mata mesmo e nós não conseguimos fugir.
- Arranja outras motivações.
- É fácil dizer. Hoje, estafei-me nos trabalhos de casa, agora estou a conversar consigo. Daqui a pouco vou continuar o programado e dou no duro só para esquecer, mas se me lembro e se tivesse asas, era naquele momento, batia-as e ía direitinho à casa dos horrores.
- E sabendo isso, ias comprar droga?
- Imediatamente. Ia a uma velha cigana, que não sabe ler, que não sabe contar, que não lhe passa pela ideia o que está a vender e que me dá o pacote do preço que eu lhe peço, como se estivesse a negociar uma camisola com defeito.
- Ela tem de saber.
- Nem lhe passa pela cabeça! A desgraçada ainda pode ser mais infeliz do que eu, ela sempre habituada ao ar livre, aos grandes espaços, à liberdade, um dia vai presa, morre pouco depois jurando sempre que ela só estava a fazer o seu negócio. Isto é tramado. A velha é uma jóia. Mal sabe contar até cinco e é sempre enganada logo que aparece um Xico esperto que a apanha sozinha. Um dia ela vai presa. Pode ter a certeza que vai. Vão acusá-la de perigosissima traficante e ela só sabe que o filho ou o neto lhe entregaram aquilo para ela vender e prefere morrer do que denunciá-los. Sente-os em perigo e, instintivamente, protege-os.

A DROGA É MAIS FORTE DO QUE A VONTADE

- Ainda estás aborrecida com o Francisco?
- Eu compreendo-o, às vezes diz coisas sem pensar. Ele sabe que a partir de determinado momento perdemos o sentido da honra e da dignidade. É a degradação total.
- Em que momento é que isso acontece?
- Durante a ressaca. A ressaca dá-se quando falta a droga, quando não se tem possibilidade de a comprar e entramos numa de troca. Aquilo que temos é o corpo. Nesse momento vale tudo.
- E há sempre gente disposta a pagar?
- Sempre. Há homens e também mulheres, estas em menor número, que se aproveitam da nossa carência para saciarem a própria carência sejam homens com homens ou mulheres com mulheres. Para nós é indiferente e eles têm a possibilidade de escolher e de chafurdar como entenderem e à medida das suas próprias aberrações.
- E vocês vão nessa?
- Não temos outra saída. As células do cérebro ficam doidas. Reclamam constantemente. É um martírio horroroso.
- Como entraste?
- Eu só charrava ou fumava uns miligramas de coca.
- E isso era bom?
- Inicialmente, quando comecei, o mundo era o melhor dos mundos. Quando o corpo se habitua a ela e, a partir desse momento, ressaca sempre que lhe falta, o mundo deixa de ser cor de rosa e passa a ser o mais negro dos mundos, aquele a que nunca devíamos ter vindo. É horrível. A atracção pela desgraça, pelo abismo torna-se inexplicável. O suicídio, por vezes, é o menor dos males.
- Vê se me consegues dar uma ideia por que isso acontece.
- Eu sei lá! Se quer que lhe diga, parece que ficamos ocos por dentro. Deixamos de ter peso. Sentimo-nos tão leves, tão leves que até julgamos ser capazes de voar e...atiramo-nos de cabeça.
- Há quanto tempo vives nesse desespero?
- Apaixonei-me pelo Francisco e comecei a acompanhá-lo para lhe demonstrar que o vício não é mais forte que a nossa vontade e que podemos sair quando quisermos.
- E não é assim?
- Não. A droga é mais forte.
- Que fumavam?
- Ele fumava heroína ou de tempos a tempos picava-se, mas ele conta-lhe. Eu prefiro a cocaína. Dá mais speed.
- Vocês casaram.
- Casámos. Eu fiquei grávida e pensámos fazer uma desintoxicação para que o nosso filho viesse limpo. Eu tive um azar do caraças. Ainda não estava agarrada, mas queria libertar-me da tentação da droga.
- Antes de continuar, diz-me por que preferias a cocaína em vez da heroína?
- Como eu sou muito calma, às vezes, até bastante pasmada, tenho necessidade de algo que me acelere. A cocaína, para isso, é o máximo. Não via o Diego Maradona? Grande velocidade, reflexos fulgurantes...
- E agora uma necrose irreversível. O fim de uma carreira quando é ainda muito jovem.
- São as pressas. Queremos ser os melhores e acabamos numa cadeira de rodas ou no túmulo. Eu estou-lhe a dizer tudo isto e a ver o perigo; no entanto, amanhã, por uma dose de coca sou capaz de voltar a cometer todos os erros. Isto é tramado.
- Não chores. Bebe esta mistura de valeriana e de pinheiro. Queres parar?
- Isto passa.
- E o Francisco, por que prefere a heroína?
- Ele é acelerado que baste e a heroína acalma-o embora o desiniba um pouco mais.
- Voltemos à tua desintoxicação.
- Eu diria, à minha definitiva intoxicação.
- Como assim?
- O Francisco foi para um centro onde o tratamento é à base de comprimidos. Eu como estava grávida e por isso era considerada uma pessoa de risco fui enviada para outro centro onde o tratamento é feito à base de metadona. Foi o mesmo que deitar azeite na fogueira.
- Quais são as pessoas consideradas de risco?
- São os seropositivos, os que têm hepatites e as grávidas.
- E tu foste tratada com metadona.
- Fui tratada não. Fiquei mais viciada. Ainda me consegui aguentar até o meu filho nascer mas, pouco tempo depois não resistimos a uma pequena reunião de amigos, onde havia coca e heroína à discrição. Foi o fim. A partir daí só não vendemos o filho porque os meus sogros ficaram com ele. Coitadinho. Também tinha ido. Tinha sido trocado por meia dúzia de gramas de coca e de heroína.
- Sentes-te mal?
- Sinto vómitos de mim própria e embora, às vezes, deteste o senhor porque representa um travão às nossas ignomínias, agora, um pouco mais lúcida, peço-lhe que nunca nos abandone até estarmos totalmente limpos e livres de perigo.
- A tua vontade e a do Francisco vão ser suficientes para vencer, rapidamente, esta fase.
- Não se convença. Vai-nos ver ainda muito mal, mas por mais que imploremos, façamos promessas de que nunca mais tocamos na droga, enquanto não tiver a certeza de que estamos limpos e recuperámos a nossa dignidade, não nos abandone.


A POTÊNCIA E A HEROÍNA


- A Cristina disse-me que a conversa de hoje era só comigo.
- Só contigo ou contigo e com ela.
- Talvez seja melhor assim.
- Como queiras.
- Hoje voltei a não conseguir. Outra nega.
- A Cristina diz que isso não é o mais importante.
- Para mim é. Isto foi uma das causas porque me meti nas drogas duras. Estava desesperado com a falta de potência.
- Mas falaste-me em drogas leves, haxixe e comprimidos de ecstasy para estudar e quando ias às discotecas. Mantinham-te acordado e excitado.
- Pois foi. Houve duas circunstâncias que me levaram a experimentar a heroína. Uma, o haxe estava a faltar no mercado e a outra, fraqueza potencial.
- Explica lá isso melhor.
- Isto é o caraças! Por volta dos dezasseis anos, uma colega desafiou-me e mal lhe toquei, aquilo saiu tudo. Esta coisa nunca mais endireitou. Ela não achou piada e eu muito menos. Depois tentei outras vezes e aconteceu sempre o mesmo. Um amigo meu, que já morreu, disse-me que a heroína retardava a saída do esperma. Experimentei, deu resultado e viciei-me.
- Se tens procurado um terapeuta do sexo ele dir-te-ia que em noventa e cinco por cento dos casos, isso acontece. É a excitação, o nervosismo de momento. É a própria natureza a defender-se quando as relações podem ter consequências. Digamos que é a estrela de cada um a protegê-lo.
- Mas é muito chato.
- Pois é. Basta um pouco de descontracção, de não pensar no sexo mas no amor e tudo se torna normal e natural.
- Comigo foi complicado.
- E agora?
- Agora acabou-se. Perdi a potência, a vontade, o desejo. Pareço um velho de noventa anos. Com heroína ou sem heroína sinto-me um eunuco.
- Não perdeste o sentido de humor.
- E a vontade sem vontade. Pelo menos tento sempre. Já vejo a Cristina com outros olhos. Ela consegue excitar-me o pensamento.
- Não te preocupes. Esse problema vai ser ultrapassado logo que te sintas restabelecido e consciente de que és mais forte que o vício.
- Tem algum produto para a potência?
- Tenho. Podes estar descansado que isso não vai falhar. Entretanto vai bebendo isto.
- O que é?
- Hipericão, hortelã-pimenta e segurelha.
- Não me engane.
- Se te mentir, podes deixar de acreditar em mim.
- Desculpe. Já há um bocado que me estava a doer a cabeça e todo o corpo. Tenho a impressão que esta porcaria está, de novo, a querer mexer comigo. Posso tomar dois comprimidos?
- Podes.
- E não têm quaisquer contra indicações por causa das suas ervas?
- Os produtos naturais só te podem proteger desde que não exageres.
- Infelizmente, eu sou um exagerado do caraças.

A OFERTA DO CORPO


A casa estava impecável, a quinta mantinha os serviços em dia, só a comida continuava a vir da casa do sr. Osório.
Francisco e Cristina continuavam magros e sem apetite. Estávamos no décimo quinto dia e eles tentavam cumprir as tarefas a cada um determinadas. Eu trabalhava no livro “O Comprador de Consciências” que emperrou apesar de já por duas vezes ter ido às máquinas.
- A escrever?
- A entreter. Estava à tua espera ou do Francisco.
- As dores de cabeça não me largam. Sinto muitas tonturas.
- A ressaca ainda não terminou?
- E não vai terminar tão cedo. Se é que vai terminar alguma vez. Se ao menos pudessemos fumar um charrito?
- Nem penses.
- Faço-lhe tudo o que quiser. Olhe que eu aprendi tudo, tudo sobre sexo e o prof., com esse olho azul a brilhar, ia gostar.
- Acho que devias pensar no que dizes. Tu não és prostituta para te ofereceres dessa maneira.
- Não sou prostituta mas, sou uma mulher carente...
- De cocaína.
- Principalmente disso. Eu aliviava-o a si e você aliviava-me a mim.
- E o Francisco, qual é o papel do Francisco?
- Ele não se importa. O corpo é meu. Há zonas que não se gastam. E juro que não tenho sida nem sou portadora do vírus da hepatite.
- Não sejas tola.
- Não gosta de mim?
- Gosto.
- Estou lavadissima e perfumada. Olhe para isto. - Cristina abriu o roupão e mostrou o corpo muito perfeito, os seios rijos e um sexo equilibrado. - Fica indiferente?
- Fecha o roupão.
- Não é homem?
- Sou. Mas nunca me aproveitei da miséria humana.
- Apetece-lhe?
- És muito perfeita, apeteces-me, mas nem que me oferecesses o mundo inteiro eu cedia. Neste momento propus-me tratar-te a ti e ao Francisco e levarei a minha avante, custe o que custar.
- Digo ao Francisco que me está a fazer propostas.
- Diz o que quiseres. Só aquilo que a minha consciência afirma é que me condena ou absolve. Aquilo que os outros dizem ou as consequências que daí advenham não me interessam. Sou pior que tu, sou mais teimoso do que tu e nem mesmo a forca ou a cadeira eléctrica me fariam mudar de ideias.
- Que homem mais parvo! Arranje-me só um pouco de haxe. Vá, não seja mau.
- É escusado, não me seduzes, nem me comoves.
- Sabe o que você é...sabe? É um maricas, é um merdas! Vá-se lixar! Eu já não faço mais nada nesta casa! Eu vou morrer! Eu vou morrer!
- Antes de morreres vai à casa de banho. Estás a sujar a casa toda e vais ter de a limpar. No inferno, só deixam entrar gente limpa. Pergunta ao Camacho Costa,* se é ou não verdade.
- Você é um nojo! É um nojo! Está feito com o brutamontes do meu sogro, mas vai pagá-las, ai isso vai, não me chame eu Cristina.
- Olha o cheiro que estás a deixar pela casa.
- Eu cago onde me apetece! E, se pudesse, cagava em cima de si.


A DIARREIA


A ressaca tem destas explosões. As diarreias são um dos efeitos e a Cristina devido a ter-se irritado por falta de droga fez com que o intestino disparasse sem moderação. Ainda pensei limpar a sujeira, mas não podia, de modo nenhum, dar parte de fraco. Fui ter com ela de chávena na mão. Cristina continuava sentada na sanita e soluçava.
- Toma isto.
- Não tomo! Você detesta-nos!
- Toma isto e já continuamos a conversa.
- Depois dá-me um pouco de haxe?
- Sabes que não tenho. Dou-te o chá e vamos conversar.
- Não quero conversar consigo! Você é igual ao outro. Não imaginam o sofrimento por que estamos a passar.
- Toma o chá.
- Dê cá essa merda, porque senão, nunca mais se cala. De que é isto?
- Alecrim, hera terrestre, feno-grego e pé-de-leão.
- Onde é que vai encontrar tanta erva?
- Nos ervanários, naturalmente.
- Se eles vendessem haxe ganhavam mais dinheiro e chateavam-se menos. Dê-me um pouco de haxe. Isso não faz mal nenhum, Juro. Eu não lhe peço coca.
- Se tivesses sida ou um acidente te imobilizasse durante meses ou anos também não tomarias qualquer droga.
- Não seja chato. Já disse isso várias vezes. Está-se a repetir. Está a ficar velho e peganhento. Eu não quero imaginar essas situações! Isto é diferente.
- É. É uma questão de força de vontade aliada a um pequeno sacrifício.
- Dê cá mais um pouco de chá. Esta merda parece que faz mesmo efeito. Olhe a situação em que nos encontramos? - Ri descontraída. Eu sinto-me aliviado.
- Depois vais tomar outro de casca de carvalho, consolda e esteva. Os intestinos acabam por regularizar.
- Eu já tomo tudo. Palavra de honra! Para que é que eu havia de estar destinada! Um gajo que serve de ama seca e me lixa o juízo.
- Já reparaste que estás a exagerar, a provocar. O que é que tu pretendes?
- Que você faça amor comigo e me dê um pouco de droga em troca. Só quero isso! Não percebe?
- Eu espero-te lá fora no pátio. Não te esqueças de limpar o que sujaste.
- Vá-se lixar, seu idiota!
Ouvi os disparates de Cristina sem me perturbar. Também eu me estudava a mim próprio. Achava interessante como nos modificamos à medida que vamos envelhecendo. Antes, explodia à mínima provocação, agora nada me irritava e impressionava, mas continuava a excitar-me e senti como foi penoso resistir a um corpo jovem e apetitoso como o de Cristina. Anos antes, tudo seria diferente, fervia em pouca água e uma mulher provocante, mesmo de risco, era atracção fatal. Estava velho e paciente, só o sexo teimava em me dar volta à cabeça e ao estômago, mas a ideia tinha de passar. Agarrei-me a um machado e desatei a partir lenha.


TRABALHO E CHÁS


- Está entusiasmado!
- Olá, Francisco.
- Eu fazia isso.
- Apeteceu-me.
- Aconteceu alguma coisa com a Cristina?
- Nada de importante. Tem-la sentido inquieta?
- Não dormiu nada. Tanto estava a rebentar de febre como os suores frios tomavam-lhe conta do corpo. Tremia toda, os espasmos eram constantes e tentava desesperadamente vomitar.
- E tu?
- De a ver sofrer, nem conseguia pensar direito. Esqueci-me de mim. Passei a noite sem pregar olho, mas estou bem. Com ela, não sei como vai ser.
- Qual é a explicação?
- A coca, agarra a matar. Há células que nunca mais se conseguem reproduzir e isso está a querer acontecer à Cristina.
- Havemos de a salvar.
- Tem de ter paciência. Eu melhorei. Os seus chás e o trabalho têm-me desviado a ideia. Oxalá eu consiga. Posso beber? Este é de quê?
- De acácia bastarda, aipo e tomilho.
- Eu acho piada. Você é um calmas do caraças.
- São os anos.
- Mas ainda dá as suas voltas.
- Felizmente que isso não envelhece como as pessoas pensam, ou só envelhece quando elas pensam que envelhece.
- Faça a vontade à Cristina. Ela cismou consigo.
- Ela cismou com a droga e tu devias ter algum pudor na maneira como te expressas acerca da tua mulher e dos seus actos.
- Nós somos amigos. Se podemos repartir consigo um pouco de prazer... seria egoísmo da nossa parte se não o fizéssemos.
- O ser humano rege-se por regras de conduta.
- Os tibetanos vivem e dividem uma mulher por quatro ou cinco e na Islândia e na Finlândia as mulheres são totalmente livres. Os filhos nascem, quase sempre fora do casamento. É a liberdade do prazer e do amor. O egoísmo e o ciúme não existem. São felizes.
- É outra concepção de vida.
- Mais natural.
- A falta de mulheres, ou o excesso, levou-os à modificação dos costumes. Nós não somos animais irracionais e o número de homens e de mulheres está equilibrado.
- Aqui é diferente. O sr. não sai por nossa causa. Eu não consigo, ela tem todo o direito de dar as suas escapadelas.
- Isso é ignóbil!
- Oh, professor, não seja hipócrita, nem egoísta! Ela já fez bem pior com outros que não conhecia e correu riscos ilimitados. Aproveite e tenha a minha benção.
- E se tivesses potência?
- Pensava da mesma maneira. A droga fez-me muito mal, mas também me abriu os olhos para a mentira em que vive o mundo.
- Que entendes tu disso?
- Julga que a maralha se mete na droga porque ela é boa? Na verdade dá prazer, mas a malta mete-se na droga porque tem nojo do mundo em que vive. E não é só aqui que isto é uma grande merda. Nós não somos nada, não valemos nada e anda tudo a fingir que é alguém. Anda tudo mascarado de puro. São todos, ou quase todos, monturos de podridão, de ganância, de libido frustrado.
- E tu descobriste isso?
- Descobri eu e descobriram todos aqueles que abriram o olho interior e ficaram ligados à criação do universo e ao espiritual. É isso que agarra nas drogas, nas chamadas ervas sagradas.
- E as ervas sagradas levam ao cometimento das piores infâmias e à total degradação do ser humano?
- Por culpa dos governos.
- Como assim?
- Aos governos não lhes interessa que a venda seja livre embora controlada.
- Porquê?
- Porque a realidade do mundo seria outra bem diferente do que é hoje.
- Por exemplo?
- As guerras acabariam instantaneamente. Como é possível o ser humano combater outro ser humano só por um pedaço de terra, por umas gotas de petróleo ou por umas jazidas de ouro?
- E a droga ia resolver o assunto?
- Ia. A droga alarga-nos o pensamento, a visão torna-se mais acutilante e mais perfeita. Não há ódios, nem desejos insensatos.
- A não ser o desejo da droga.
- Quando ela for liberalizada deixa de ser consumida em exagero. Veja os países do norte de África.
- Vivem exportando droga sem levantarem ondas e fingindo que nada é com eles. Um amigo meu dizia-me que dentro de cinquenta anos os árabes tinham conquistado de novo a Europa, mas desta vez, pacificamente. Se calhar queria referir-se aos sonhos cor de rosa que a droga produz.
- Os árabes não precisam de conquistar coisissima nenhuma. Eles querem é que os deixem em paz. Eles fumam haxe. Acalmam, vêem mais longe. O seu pensamento é mais brilhante.
- Não acredites nisso. A droga só pode entorpecer. Dá um certo estímulo inicial mas depois tornamo-nos normalissimos. Ela destroi, confunde, arrasa.
- Está a referir-se ao ópio e pensa concerteza na Guerra do Ópio entre a China e a Inglaterra em 1839. Aqui sim, as quantidades entradas eram tais que, se a China não tem proibido à Companhia das Índias o fornecimento de ópio, hoje já não existiam chineses.
- Concordas então?
- Discordo. Tudo em excesso é prejudicial.
- Tu excedeste-te?
- Porque me proibiam, porque me impediam de ter à discrição uma coisa que eu posso controlar.
- Hoje, tanto os chineses como os japoneses, aceitaram pacificamente a proibição a entrada de droga nos seus países porque recusam ser imolados em louvor do deus do fumo e da seringa.
- Eles não sabem o que é bom.
- E tu e todos os outros drogados, que vivem nas sarjetas ou que para lá caminham é que são os inteligentes, ao sofrerem dores indescritíveis e a morte na juventude, em troca de uns breves momentos de prazer?
- O senhor é um chato. O tabaco e o álcool também são drogas e os governos autorizam-nos.
- Fazem mal. Deviam estabelecer limites. O tabaco provoca o cancro. Está provado cientificamente.
- A gente tem de morrer de qualquer coisa. Enquanto se morre e não morre, vive-se. E se em vez de viver até aos setenta chateado, triste, macambúzio, viver até aos sessenta alegre, bem disposto e desfrutando a vida, que se lixe a tristeza!
- O pior é que depois de chegares aos sessenta, queres chegar ao setenta. E desejas morrer descansado, não sofrendo como vocês sofrem.
- Lá me está você a dar a volta. Entre na nossa. Faça a vontade à Cristina. Ela fica contente e contenta-se a si. Nós já não temos hipótese de sermos bem vistos na sociedade. Já que é assim, vivamos sem sacrifícios enquanto pudermos.
- Todos nós, na vida, temos atitudes menos ponderadas, quase sempre inconscientes. Só depois de realizadas nos damos conta do erro. São falhas do computador cerebral que só sublinha os erros depois de os ter praticado.
- O meu computador só sublinha erros com os quais tenha gozado.
- Estás a esquecer o sofrimento por que passas sempre que te falta a droga...
- Tem razão. Há qualquer coisa que não está bem. Eu e todos os outros viciados em drogas sentimo-nos incapazes de evitar o sofrimento e insistimos em drogar-nos sabendo que isso nos levará, rapidamente, à morte. Agora explique-me porque isso acontece e qual o antídoto para acabar com o flagelo?
- Abstinência, trabalho, amor e estoicismo contra todas as dores e ansiedades.
- Você é um facilidades do caraças! Gostava de o ver ressacar e havia de saber o que elas mordem.
- Há campanhas a alertar para as consequências..
- Já se esqueceu que foi jovem. Alguma vez se preocupou com as proibições? Elas só nos estimulam a experimentar. Quanto mais proibido, mais gozo dá.

A LEGALIZAÇÃO DA DROGA

- A Cristina continua chateada. Faça-lhe a vontade.
- Não serviu de nada a última conversa.
- É escusado perder tempo connosco. Entrámos no cano e vamos morrer encharcados de trampa.
- Se pensasse assim não gastava tempo com dois casos perdidos.
- Você é de compreensão lenta. Esqueça-nos. Livre-se de nós o mais rápido possível senão a merda ainda lhe chega à ponta do nariz.
- Tu nem me chegas a ofender, nem me amedrontas. Gosto dos desafios e gosto ainda mais de resolver problemas insolúveis.
- Faça como quiser, mas aproveite a Cristina. Ela fica mais calma e você também.
- Isso está fora de questão. É a minha dignidade, é a tua dignidade, é a dignidade dela que estão em causa. Se o fizesse ir-me-ia culpabilizar durante o resto da vida. Esquece. A civilização ocidental não permite.
- A civilização ocidental continua hipócrita. Nem calcula a venalidade que existe entre os governantes.
- Calculo, mas não é por alguns serem corruptos e venais que vou modificar a minha maneira de ser.
- Tem de experimentar o fumo. Vai ver que as verdades não são tão verdades como parecem. Isto é tudo fingimento. Nada vale nada e eu não sou mais que nada.
- Voltaste a regredir.
- Voltei a reflectir. Pode crer, estes gajos não liberalizam a droga porque assim eles não são desmascarados.
- E tu pretendes desmascará-los?
- Eu não. Os gajos proíbem e eu sempre com medo que acabe, continuo a comprar, a comprar e depois como a tenho em casa não lhe resisto.
- Como te sentes?
- Mais ou menos. Não sei se é dos chás, se do que é, que me sinto melhor. Às vezes tenho uns arrepios e o corrimento nasal ainda aparece, mas vou-me aguentando. A Cristina é que não anda nada bem. Se não vai com ela para a cama podia, pelo menos, dar-lhe um pouco de haxe para suavizar, eu dizia-lhe onde o podia encontrar e você fazia-nos esse favor. Garanto-lhe que não se arrepende.
- Nem penses.
- Sentia-se bem se experimentasse. O corpo torna-se mais leve, a visão mais aguda, e o cérebro raciocina perfeitamente.
- Tu não desistes da ideia.
- Experimente e verá que gosta.
- Já experimentei.
- E nunca disse nada.
- Nunca perguntaste.
- E viciou-se?
- Não. Fumei experimentalmente.
- Vê. Eu não lhe disse? Aquilo, se fosse livre, não dava estas porras todas.
- O pior são os excessos.
- Com o tabaco e com o álcool também nos tornamos dependentes. Eu já não dizia para liberalizar a cocaína e a heroína, agora o haxixe, devia ser liberalizado para que os traficantes, quando ele falta, não imporem a heroína e a cocaína.
- Queres beber?
- Lá está você com estas beberagens. Vê, eu sou um gajo porreiro. Faço-lhe a vontade. Tomo aquilo que você quer.
- É para teu bem.
- Esta é de quê?
- Choupo, manjerona e tília.
- Não é mau. Mas voltando à legalização do haxixe, ele é vendido no Egipto, na Turquia, na Argélia, na Tunísia, em Marrocos, países do norte de África e Médio Oriente. Como vê, eles não se queixam, antes pelo contrário agradecem a ajuda desta erva, cultivada há milénios, deixam-na crescer e multiplicar pelos campos. Não permitem exageros. E como todos sabem as regras, o haxixe é comprado em qualquer local e muito dele com a efígie dos governantes.
- Tens mais alguma coisa a dizer?
- Tenho. Proíbir o haxe aqui e liberalizá-lo ali só serve para fazer o jogo dos traficantes.
- Parabéns. Estás quase normal.
- É do chá.


OS DESEJOS REPRIMIDOS

- Ainda continuas aborrecida comigo?
- Vá-se lixar.
- Sabes o que me apetecia fazer-te?
- Encher-me a cara de bofetadas.
- Mais ou menos.
- E por que não o faz?
- Porque não devo.
- Porque não é democrático. Você é um pachola como os outros. Não tem tomates! Não é homem! É uma merda!
- Queres beber?
- Meta-o no cu! Eu quero ir-me embora. Você não me pode segurar aqui.
- Fala com o teu marido e com o teu sogro. Por mim podes ir já hoje, entrares directamente na lama e a seguir no cemitério. É-me indiferente. Tu não és minha filha.
- Você é um sacana. Você sabe muito mas, a mim não me engana. Eu sei o que você quer, mas eu agora não dou. Está a ver? - Cristina abre o roupão com que ultimamente tem andado invariavelmente vestida.
O tormento e a angústia são enormes.
- Anda cá Cristina - Diz o Francisco que apareceu não sei de onde. - Anda, vamos. Já viste que com ele não dá. Vamos pelo menos beber-lhe o chá. Podemos beber?
- É vosso.
- Toma Cristina. - Cristina bebe um gole e faz um esgar de repulsa. - Olha que não é mau. Bebe. - Francisco, com o braço esquerdo sobre os ombros de Cristina, aconchega-a a si com uma ternura comovente. Por momentos senti-me feliz. O esforço era enorme mas valia a pena e eu mais determinado fiquei a levar o trabalho até ao fim, mesmo que tivesse de engolir muitas emoções, calar muitos desejos e ouvir muitos disparates.


A VERGONHA DO PASSADO

- O meu pai não tem aparecido. Ainda bem. Às vezes é um chato dos diabos. Ele adora-me. Eu é que não presto.
- Hoje vens bancar o piegas?
- Sinto-me bem. No entanto, quando penso voltar ao social, sinto um arrepio na espinha. Nunca vou conseguir. Você, não me convenceu com aquela do computador. Foram anos e anos de erros, de falta de dignidade, de pequenos roubos, de mentiras e de fugas constantes. Não vou conseguir. Só o pó me ampara porque me faz entrar noutro mundo, desligar-me deste e ter sensações inesquecíveis.
- Ninguém tem nada com o teu passado. A maneira de enfrentares o futuro é seres muito bom no que fizeres.
- Quem acreditará em mim?
- Eu, o teu pai, a tua mãe.
- Acha que eu volto a ter potência?
- Tenho a certeza. Toma isto todos os dias.
- Como?
- Uma colher de chá, três vezes ao dia, fora das refeições.
- E isso dá-me...
- Dá.
- O professor...
- Ainda não preciso.
- Tem a certeza que isto funciona?
- Já fiz testes. Ou julgas que és o único impotente, neste país?
- Se eu fosse a si também tomava.
- Para quê? Tudo deve ser o mais natural possível, depois fiava-me só no produto e um dia que não o tivesse a cabeça negava-se.
- E isto é natural?
- É. Mas para quê exagerar na potência se temos a suficiente para uma boa relação?
- E para as mulheres também dá?
- O preparado é diferente.
- O senhor é um gajo do caraças. Sabe tudo.
- Aprendemos durante a vida.
- Mas o senhor mete-se em todos os sectores.
- Ando à procura de mim mesmo para me entender e cheguei à conclusão que, só entendendo os outros, me conseguirei entender a mim próprio.
- Eu sou um gajo que não entendo ninguém, nem quero entender.
- É também por isso que te escondes na droga?
- Sei lá. Julgo que não. Isto foi um acidente, que me libertou, momentaneamente do mundo. Vi que o outro lado era melhor e fui esburacando cada vez mais até que atingi o fundo do poço. Olhe que estou aqui com toda esta conversa e estou roído para dar uma passa. O caraças é que depois da passa vem a vontade da agulha e eu volto a rolar p’rái. Segure-me. Aquilo é o inferno e eu não me vou aguentar. Não valho nada.
- Ninguém vale nada. Não somos mais do que poeira pensante.
- Veja a minha ansiedade. Faça qualquer coisa para me aliviar.
- Vamos ao chá.
- Este é de...
- Zimbro e rosmaninho.
- Tem pachorra para fazer estas mistelas?
- Sentes-te bem ou não?
- Sinto. Deve-os fazer um pouco mais fortes. É uma pena a Cristina não tomar regularmente. Mas ela vai lá. Quando eu tiver força... vai ver que a meto na linha.
- A tua ajuda é importante.
- Depois do tratamento, podemos continuar com os chás?
- Podeis.
- E onde vou buscar tanta erva diferente?
- Já te disse. Às ervanárias. Há-as por todo o lado.
- Você é danado. Se eu sair limpo para sempre, faço-lhe uma estátua.
- Prefiro que encontres uma explicação para as recaídas dos toxicodependentes e eu a possa divulgar para evitar o desfazer do mundo através da loucura.
- Sempre ouvi dizer, de mil passarás, a dois mil não chegarás.
- O ser humano tem feito tudo para destruir o planeta e a prova disso está nas bombas atómicas e na droga. Não sei qual delas vai ser a mais mortífera.
- Se eu fosse a si não me preocupava e não tentava evitar nada. Deixe drogar quem se quer drogar, deixe viver as pessoas como elas querem. Ninguém lhe agradece e ainda passa por parvo.
- Esse é o desafio da vida. É descobrir-lhe o segredo para que nos sintamos irmãos uns dos outros e a Terra seja a casa de uma grande família onde todos nos protejamos e ajudemos mutuamente muito para além do ano 2000. Aqui não existem agradecimentos. É a continuação da vida numa perspectiva de felicidade global.
- Você é um sonhador. Abra os olhos. Esta merda nunca mais tem conserto e o mundo acaba mais rápido do que pensa. Vá por mim. Goze enquanto é tempo. Faça um chuto de cavalo e nunca mais se preocupa com os outros. Eles também não se preocupam consigo. Ou você sai da merda sózinho ou está lixado. Vá por mim, os amigos só aparecem quando estamos bem.
- Eu ainda tento acreditar que sou um pouco mais do que a lama do universo.
- Faça um chuto de cavalo que isso passa.
- Já estou como o teu pai, não sei onde está o gozo da droga, se depois vais sofrer de uma maneira horrorosa. Francamente! Gozar duas ou três horas e a seguir gemer quarenta ou cinquenta, quando não é muitissimo mais... Hás-de-me dizer, onde está o gozo? A menos que o gozo seja resistir à dor.
- Porra! Deixe de me martirizar!
- Não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir. Muito bem. Está descansado que o mundo não acaba apesar do homem tentar tudo para que isso aconteça. Talvez a fúria dos elementos faça que os seres humanos consigam dar as mãos.
- E andem todos aos beijinhos. Deixe-se de idealismos. Repito-lhe; um charro, em vez do cigarro seco e chato não faz mal a ninguém desde que não haja exageros e é raro dar-se a habituação. A habituação dá-se com a cocaína e com a heroína. Só entramos nelas porque falta a erva.
- O charro agarra menos do que as drogas ditas, duras, mas o processo de destruição celular vai iniciar--se.
- Também com o tabaco acontece o mesmo e há muita gente que fuma e morre de velho. Liberalizem o haxe e talvez a civilização ocidental se salve.
- Pensas que a liberalização do haxixe pode evitar a viciação na heroína e na cocaína?
- Pode. Veja o meu caso. Sempre fugi das drogas duras por saber o perigo que elas representam. Andei assim uns seis ou sete anos. Quando faltou o haxixe experimentei a heroína.
- E ficaste agarrado?
- Se tenho continuado com o haxe, de certeza que não tinha passado pelo que passei e sofrido o que sofri.


RAZÕES PARA VIVER

Cristina, estirada ao sol, como uma gata perdida em sonhos, queimava distraídamente uma prata.
- Vai longe esta juventude.
- Você não desiste.
- É natural que nos encontremos, não achas?
- Que é que quer? Vem saber se eu estou bem, se não me doe o corpo, se não tenho tonturas, nem náuseas. A única náusea que eu sinto sabe por quem é?
- Deixa-te de ser indelicada e diz-me como te sentes.
- Melhorei. Não sei se foi por efeito da porcaria dos chás ou por me ter convencido, que quisesse ou não, tinha de alinhar.
- Fico contente por saber.
- O Francisco tem-me feito ingerir aquelas mixórdias... Está a olhar para a queima?
- É.
- Pelo menos sonho que vou estanhando a prata, que lhe tiro as impurezas e que depois, aquela coisa gostosa que me faz sofrer, também me leva para longe desta merda e me transporta pelos campos infinitos dos paraísos que se passeiam pelo universo ao sabor do acaso.
- É poético o que estás a dizer. O pior é o regresso.
- É a parte chata.
- E mesmo assim arriscas?
- Dê-me uma razão para viver.
- Dou várias. O teu filho, o teu curso, o prazer de sentir as modificações do corpo e desejos à medida que vamos envelhecendo.
- A droga marou-me. As minhas células já não respondem aos meus desejos. Isto um dia, vai-se. Estoira.
- E se não estoirares e ficares a sofrer um, dois, cinco, vinte anos, com dores de morrer todos os dias, que me dizes?
- Que você é um chato e um sádico. Tem gosto em martirizar os outros. Eu estava aqui, muito sossegada, no meu canto.
- Só quero o teu bem.
- Então mude de conversa e diga-me o que devo fazer para acalmar as dores de ouvidos e para não me sentir desmaiar constantemente. Mas não me dê chás.
- Anda cá. Primeiro, vou estimular a zona da tua segunda vértebra cervical e depois deitas uma gotinha de azeite quase quente no ouvido. Isso passa imediatamente.
- Você é tramado. Diz que não quer nada comigo mas vai-se aproximando do meu pescoço. - Ri alegremente. Eu sinto-me recompensado. - Faça lá a estimulação mas não se aproveite. Hoje sou eu quem não quer, estou com o período e esta merda põe-me zonza.
- Descontrai-te, relaxa. Assim.
Ao fim de seis a sete minutos de uma estimulação com os polegares, Cristina estava feliz.
- Sinto-me bem. Já agora, pergunto-lhe o seguinte: A droga faz que a menstruação desapareça?
- Faz. Há muitas raparigas que deixam de ter o período, o que lhes vem agravar o stress em que andam.
- Eu digo isso, porque duas das minhas amigas que morreram por overdose, estavam sem o período há muitos meses. A mim, felizmente, nunca aconteceu.
- E nunca acontecerá.
- Obrigado prof. Você, quando quer, é um gajo porreiro, mas eu não posso confiar muito em si. Está feito com o meu sogro.
- Eu estou feito contigo e com o Francisco. Vocês são o meu pensamento.
- Deixe-se de tretas. Veja lá se nos deixa fazer o que queremos.
- Tu farás sempre o que quiseres, quando estiveres lúcida e limpa do produto, quando tiveres força e começares a trabalhar fora daqui.
- Eu não quero continuar a viver neste país de tricas, de invejosos, de individualistas, de egoístas. Isto é um país de merda. Como dizia alguém, isto não é um país a sério.
- Tens razão. Este país é realmente um enxovalho, mas aqui vive-se.
- Rastejando.
- Vive-se com dificuldade mas também tem coisas muito gratificantes.
- O sol, o mar, o clima. É verdade. Mas isso não modifica estes gajos. Não os faz pensar melhor, não os faz olhar o futuro. São todos imediatistas, saudosistas e imbecís.
- É o ser humano. Aqui e em qualquer outra parte do mundo.
- Mais aqui. Está a ver por que me drogo e porque milhares de jovens como eu e o Francisco se drogam? Porque o mundo é uma merda e não há volta a dar-lhe. A culpa disto foi dos nossos pais que quiseram ter um brinquedo para se divertirem enquanto nós tínhamos um, dois, três, quatro anos. Depois fartaram-se. Metem-nos em infantários, em colégios e vêmo-los uma vez por semana e de fugida.
- Tu também tens um filho.
- Foi um acidente. Não o desejei, não o programei e já estava grande quando dei que o carregava na barriga. Vai ver que o desejo de nascer e de crescer vão ser cada vez menores.
- Não sejas injusta. Os teus pais sempre se preocuparam contigo.
Cristina começa a chorar.
- Pobre mãe. Era tão bonita! Gostava tanto de festas, de rir, de se mostrar... eu matei-a. A vergonha foi mais forte do que a alegria de viver.
- Ela sofria do coração.
- Fumava imenso. O médico avisou-a. Mas fui eu quem a matou. Que vergonha e que peso vou carregar toda a vida.
Cristina continua a chorar. Deixo que ela soluce. As lágrimas abundantes servirão para limpar zonas afectadas pela droga. Deixo-lhe correr o sofrimento.


OS PAIS NÃO SABEM CONVERSAR


- Já tomei o chá matinal. Estou quase habituado. Não me doe nada. Estou porreiro.
- Se voltasses para junto dos teus amigos, já eras capaz de dizer não?
- No meio daquela maralha não há amigos.
- Não há solidariedade?
- Não. Quando entramos na pesada, um grama de heroína ou de coca vale mais do que todos os amigos do mundo. Aquilo são rapazinhos destituídos de todos os escrúpulos quando estão ansiosos. Só não matam porque não calha.
- E tu, mesmo assim, tens dificuldade em resistir?
- Aquilo toca profundamente a parte mental e por isso é que uma conversa longa e mais outra e mais outra acompanhadas de uma terapia eficaz de limpeza, são necessárias.
- Muitos pais e outros familiares fazem tudo, conversam, apoiam...
- Eles, nem sabem conversar, nem apoiar e vão sempre na conversa do viciado. Ele promete sempre com voz dócil. Arranja sempre mil e uma justificações para tudo. Lamenta-se, chora, é um infeliz, ninguém lhe liga.
- Tu fazias isso?
- Claro que fazia. E fazia-o com convicção, com sentimento, com a verdade da mentira.
- E o teu pai ía na conversa?
- A minha mãe estava sempre pronta a esconder do ferrabrás do meu pai as minhas tropelias, os meus pequenos roubos, os colchões ensopados, para os quais teve de arranjar cobertas de material plástico. Coitada. Eu sou um bandalho.
- Sentes-te bem?
- Sinto, a não ser a falta daquilo que falámos.
- Já começaste a tomar?
- Comecei ontem.
- Depois de amanhã começa o efeito, vais ver que voltas a seduzir a Cristina.
- Ela anda um pouco fria. Também a podia ajudar.
- Cristina não quer.
- Sempre foi muito senhora do seu nariz e a cocaína é diferente da heroína. As duas agarram, mas tenho a impressão que a coca se instala para valer. O que perdeu a Cristina foi a metadona. Quis desintoxicar e tramou-se.
- Eles deviam saber o que faziam.
- Não sabem nada. Nós vamos sempre pelo mais fácil e pelo mais barato. A metadona já provou que não serve para desabituar. Pelo contrário, estimula o desejo. Com ela e com outros companheiros de jornada não deu resultado. É dinheiro do Estado deitado ao rio.


APROVEITAR OS DIAS DE LUCIDEZ


Cristina começou a cozinhar e revelou-se. Até eu e o Francisco quisemos aprender os segredos.
- Eu nunca cozinhei.
- Está em muito boa idade para aprender. Os sessenta ainda têm mais encanto se os souber condimentar. Hoje vou fazer uma sopa de feijão verde à moda da minha tia Lucrécia.
- Estou atento.
- Descasca quatro batatas, uma cebola grande, uma cenoura grande, azeite a cobrir um pouco mais do que o fundo da panela, sal, água a dois terços, deixa ferver vinte minutos, desfaz as batatas com um garfo ou mete a varinha mágica, em seguida deita o feijão verde e deixa ferver até cozer. Prova a ver se está bom de sal. De sopa, estamos aviados.
- Chega, Cristina. Para primeira lição basta.
- Não basta nada. Como o professor tem a mania das plantas, deite-lhe um raminho de segurelha e verá que é comer e chorar por mais.
- Sabes que a segurelha é um afrodisíaco e um potenciador?
- Não.
- Sabias que nos jardins dos mosteiros e dos conventos era proíbido semear segurelha por causa dos “calores” que produzia?
- Não. Ainda bem que o diz. Vai ser sopa de feijão verde com a erva do pecado, dia sim, dia sim.
- Eu tenho de arejar a adega e ver se está tudo em ordem. - Disse o Francisco.
- Como te sentes, Cristina?
- Melhorei. Dormi bem, não tive pesadelos, tomei um banho de imersão que me arrancou o resto do sarro que ainda teimava em não sair e senti, pela primeira vez, fome. Acho que despertei do pesadelo. Agora peço-lhe que me ajude. E... desculpe as minhas parvoíces.
- Contas sempre comigo.
- Mesmo que eu seja chata, rude, ofensiva, não ligue. Não me faça as vontades, analise o meu estado e actue da melhor maneira.
- Fico contente por te ouvir falar assim.
- Tenho de aproveitar os meus momentos de lucidez para pedir ajuda. Confesso-lhe que é muito difícil. Os dias como os de hoje são raros.
- A que atribuis isso?
- Ao desencanto. A droga leva-nos para outra dimensão, primeiro com sensações e visões, quase reais, de uma vivência onde não existe bandalheira apesar de ao nosso lado se encontrar o esgoto mais infecto e mais imundo. Enquanto a droga funciona, durante quatro ou cinco horas, a viagem é por milhentos lugares onde tudo é perfeito. Regressas, vês o que te rodeia e cais no máximo das abjecções.
- E não tens medo das doenças, da hepatite, da sida, da sífilis.
- Nada nos preocupa. Pensamos sempre, ou melhor, nem pensamos. É mais uma dose sem rede...
- Mas a sida?
- A sida. A sida? É Deus a... massacrar-nos o corpo. A sida é a peste cruel que o Deus natureza atirou como se fosse a sua própria vingança, contra os sacrílegos dessa mesma natureza.
- O teu raciocínio e o teu pensamento estão perfeitos.
- Eu sei que sou boa. Entrei na Universidade e até aos 17, apesar de umas chupadelas, nunca tive problemas. Depois conheci o Francisco, quis salvá-lo e aí vai Cristina. Se saio desta confusão, nunca mais me meto noutra.
- Estás decidida a deixar a droga?
- Hoje estou.
- E amanhã?
- Amanhã, não sei. Francamente não sei.
- Quantas desintoxicações fizeste?
- Duas. A primeira foi com metadona que deu este lindo resultado. Na Segunda puseram-me a dormir oito dias e quando acordei vinha esfomeada daquela coisinha gostosa que me deixa tontona.
- Qual a explicação para essa ideia fixa?
- Aquilo deve encantar as células do ADN e elas não resistem. Quando chega a vontade é a loucura fatal. Podemos passar um, dois, três, dez meses sem droga, mas se temos o azar de a cheirar, as células do ADN, começam a fazer um barulho de tal ordem que o desgraçado do corpo já não sabe onde se há-de meter e corre desenfreado à procura do elixir miraculoso que faz cantar a mente e onde as sensações são aos milhares e todas diferentes.


A GUERRA TOTAL


De manhã encontrei o Francisco agarrado ao braço, como se aí esperasse a seringa salvadora. Estava com os olhos desmedidamente abertos. Quando me viu disse com voz rouca:
- Ela voltou, professor. Estou... lixado.
Dei-lhe um chá de flor de laranjeira, manjericão grande, camomila, erva-cidreira e rosmaninho. Bebeu-o a pequenos sorvos e com grande custo.
- Descansa. Não te preocupes comigo. Está à vontade enquanto eu corrijo o próximo livro.
Passada hora e meia, Francisco espreguiçou-se.
- Isto é uma porra, professor. Isto é uma porra. Nunca mais me livro disto. É um dia bem e cinco mal.
- Tem sido o contrário.
- Tem sido o contrário porque o sr. está aqui, quando nos separarmos entro de cabeça. Depois é que nem os olhos se me aproveitam. Estou todo roto!
- O tempo de limpeza é ainda muito curto.
- Nunca mais me safo! Estou... lixado.
- Se tivesses um acidente e ficasses acamado, durante anos, ninguém te fornecia droga.
- Eu sei lá. Nenhuma mãe ou namorada resiste ao choro de um filho ou do amado.
- Tenho a certeza que ninguém daria e tinhas de passar sem ela. É uma questão de mentalização.
- Isso é bom de dizer. Experimente. Ressaque a primeira vez e vai ver o que lhe acontece.
- Só não experimento porque tenho as experiências dos outros para avaliar as consequências. Podes crer que é um questão de mentalização.
- Eu estou farto de tentar mentalizar-me, mas não dá. Aquilo é um vírus que se esconde onde ninguém o consegue encontrar. Chego a convencer-me que as outras células lhe dão cobertura e ainda gozam comigo. E digo isto porquê? Quando estou calmo e certo de que não voltará, o vírus dá o seu golpe e aí estou eu feito num abano. É o que lhe digo, ninguém se pode fiar num drogado. Ele vendeu a vontade e o carácter a um sonho que não existe.
- Qual a solução mais correcta?
- Eliminar toda a droga dura e liberalizar a outra que é um pouco mais forte do que o vulgar cigarro.
- Resultaria?
- É a única maneira de controlar, liberalizando-a. A outra ficaria só para medicamentos. As autoridades de todo o mundo teriam de colaborar em conjunto. Isto é uma guerra em que todos serão destruídos, incluindo os países produtores.
- Teriam de ser medidas tão radicais?
- Têm de ser. Prender os vendedores da ralé, é outro erro. Devem secar a fonte. Eles servem de isca. Só assim acaba o comércio. A droga, nos países produtores tem de ser só para fins medicinais, de outra maneira esses governos seriam severamente punidos. Os Estados Unidos e os países Europeus não impuseram sanções e não castigaram o Iraque por fazer a guerra? Esta guerra é bem mais violenta e causa um número muitíssimo maior de vitimas.
- Afinal, o teu principio de uma nova ressaca, deu-te energias.
- Sei lá se deu, ou se foi do chá, ou se ainda tenho alguma capacidade para me revoltar. Eu estou mal e não vou acabar bem. Para mais... ainda nada e já passaram dois dias.
- Eu disse-te que ao terceiro funcionava. Podes ter a certeza de que não falha. Começa a pensar na Cristina e durante o dia, de vez em quando, imagina tudo o que vais fazer. Espero que ela esteja motivada.
- Vai estar. Já a sinto outra. Parece que ela melhorou e eu me fui abaixo.
- Tu e ela têm-me explicado que isso é mesmo assim até à limpeza total.
- Mas haverá limpeza total ou será que o tal vírus brincará connosco até ao fim?


A DROGA E A FRUSTAÇÃO SEXUAL


- Consegui! Consegui! Consegui! - gritou Francisco. Parecia uma criança. - Funciona mesmo. Como é que o professor arranja estas coisas?
- Estudando, experimentando.
- E não faz mal?
- Estes potenciadores são naturais. A sua função é desintoxicar, limpar e potenciar.
- É igual para toda a gente? O meu velho era capaz de agradecer.
- O teu pai, se precisar, diz. A base destes produtos é quase sempre a mesma, os potenciadores manipulados é que são diferentes.
- A Cristina não se levanta tão cedo. Ela adorou. Penso que o amor nos faz bem a ambos. Pela primeira vez, desde há muitos meses, falámos no nosso filho. Chorámos agarrados um ao outro. Sinto-me feliz.
- Estou contente.
- Sabe que a frustração no sexo arrasta muita gente para este caminho. Depois de se lá entrar, noventa por cento dos drogados não pensa mais no assunto. É tabu. Tal como falar em droga também é tabu. O professor é que não esteve com meias tintas. Em vez de nos tratar como doentinhos, chamou logo os bois pelos nomes.
- A hipocrisia ainda não é um dos meus defeitos.
- Eu e a Cristina já tínhamos comentado. Sabe que eu também sou um bocado assim. Quando andava no vício, muitas vezes ía comprar sozinho, consumia sozinho, apanhava a minha ganza sozinho e tentava que a Cristina não desse por ela. Mas sabe como são as mulheres. Finas p’ra caraças e lá vinha ela com recriminações. Depois quis acompanhar-me, quis chutar mais forte e... lixou-se. Lixámo-nos os dois. Em vez de um, foram dois. Por isso, ajudar um amigo drogado é sempre um risco muito grande quando se está envolvido por laços afectivos.
- Quem poderia segurar a barra?
- Os pais, os professores e os governos. Estes são os que deveriam colocar o primeiro travão nos filhos e nos alunos e os governos através de forças policiais incorruptíveis e de prisões sem droga. É inacreditável um tipo ser preso por ser consumidor de droga e depois “permitirem-lhe” drogar-se na cadeia. Esta não cabe na cabeça de ninguém. Ou os governos são partes interessadas, ou as histórias estão mal contadas.
- Não conseguem evitar as infiltrações.
- Não conseguem? Num espaço fechado? Por favor! Eu sou drogado, quero sair da droga e não sou cego, nem burro! Não conseguem? Então não prendam! Deixem de ser hipócritas e videirinhos!
- Fala-me do papel dos pais.
- Actuam sempre muito tarde. Os pais cegam com o trabalho. O que acontece? Andam largos meses sem dar por nada. Hoje, os filhos, fazem, normalmente, a cama e arrumam os quartos. Desta maneira nem dão pelos lençóis e colchões molhados, nem dão pelas seringas escondidas nos fundos das mesinhas de cabeceira. Quando as mães descobrem, andam mais uns meses tentando camuflar a vergonha em vez de cortar o mal pela raiz.
- Pensas mesmo isso?
- Penso. E os professores, ou são ceguetas ou não estão para se chatear. Só quando o filho de um deles entra no cano é que eles gritam aqui d’el rei. Parece estar tudo armadilhado para enterrarmos a cabeça na vergonha..
- Tens bebido os diferentes chás?
- Tenho. E também tenho trabalhado para caraças! Suo, suo e fico aliviado, mas a cabeça deixa-me perdido. Há aqui qualquer coisa que não está bem. Eu quero limpar totalmente, mas sei, se sair daqui, vou direitinho com as ventas à torneira.
- Tens de ser mais forte que o vício.
- E quero ser. Mas logo que o fruto apetecido está ao meu alcance e o posso apanhar, não consigo resistir.

OS CHÁS E AS ESSÊNCIAS


Cristina e Francisco passeavam de mãos dadas.
- Dois namorados.
- Sentimo-nos diferentes. Eu dizia ao Francisco que nem acredito no que está a acontecer. Nunca me senti tão bem. Voltei a entender as coisas que me rodeiam.
- Voltaste ao mundo real.
- Foi. Deixámos o mundo da fantasia. É bom regressar. Não me importava de ficar aqui para sempre.
- Isto é vosso. O Francisco é filho único. Mas a solidão também cansa. É necessário viver em sociedade.
- Mas esta calma, esta beleza.
- Mesmo assim. No entanto, vocês estão a tempo de pedir ou fazer o que entenderem.
- Eu vou pedir a meu pai que me deixe orientar a quinta, mas quero que ele esteja de olho em mim. Não posso voltar a cair. É a degradação mais abjecta de um ser humano. Como é possível descer-se tão baixo?
- É possível porque se entra num estado de anormalidade condicionada por drogas potentissimas.
- E chamam-lhes ervas sagradas!
- Inaladas com conta, peso e medida, serão. O exagero é que estraga tudo. O ser humano é de extremos. Os camponeses da Bolívia, do Peru ou da Colômbia sempre tiveram uma boa relação com a coca até os grandes traficantes descobrirem que manipulando a coca com os químicos, podiam centuplicar os lucros.
- Bebe o chá connosco?
- Bebo. Este é de rosmaninho e hissopo. A respiração agradece.
- Por causa dos chás vamos fazer um jardim de ervas aromáticas. Pensa que é possível ou é muito difícil?
- É muito simples, muito útil e bastante rentável. As ervas medicinais dão-se bem na generalidade dos solos.
- Só se tomam em chás?
- Não. Podemos utilizá-las em essência.
- Quais aconselha?
- Há imensas. Todas as ervas aromáticas produzem essências de enorme potência. Considero, por exemplo, a essência do tomilho um poderoso anti-cancerigeneo.
- E para a tuberculose?
- Tens a essência de eucalipto. Tomas, três vezes por dia, quatro gotas em leite quente, mel ou açúcar e ao fim de um mês estás outro.
- E todas possuem propriedades que podem beneficiar o ser humano?
- Todas. Umas, mais que outras, mas todas são úteis ao ser humano.
- E para os espasmos, há alguma?
- O anis verde.
- E pode-se tomar o que se quiser?
- Em essência podes tomar quatro ou cinco vezes por dia entre cinco a oito gotas, diluídas em leite quente, mel ou açúcar.
- E não se podem tomar mais?
- Não é conveniente. Apesar da essência do anis verde ser menos forte, mesmo assim é necessário ter sempre cautela. Todas as ervas são assim quando reduzidas às suas essências, inofensivas em doses diminutas, perigosas quando se ultrapassam limites.

TERAPIA CROMÁTICA

Francisco e Cristina resolveram dividir e pintar a casa dos caseiros.
- É aqui que nos vamos instalar. - Disse Cristina.
- Têm a casa principal. Para quê, esta?
- Dá mais gozo. Aqui os meus sogros não chateiam. E nós fazemos tudo o que quisermos. Venha ver.
- Pintaram a sala de amarelo?
- Estamos numa de terapia cromática. Esta fica assim porque as nossas reacções são imprevisíveis. Nós próprios não sabemos o que vai acontecer nos próximos segundos.
- Estou esclarecido.
- O quarto ficou encarnado.
- Que loucura! Vai ser um braseiro.
- E é. Tudo força. Tudo paixão.
- Quarto vermelho é fogo.
- Espero que os meus sogros não fiquem escandalizados.
- Meus pais não dizem nada. No fundo eles sofreram mais que nós.
- E a minha pobre mãe? Não há direito. - Cristina chora.
- Vamos remodelar o futuro. - Disse Francisco. Desta vez não voltarei a cair. Agora não condeno meu pai pelo que fez. Na verdade, nós não estávamos em condições para tomar decisões e, quando é assim, é legítimo que alguém se substitua a nós mesmo sendo adultos.
- Foi muito duro. - Disse Cristina.
- Ele tinha de decidir já que as nossas decisões eram só p’rá desgraça.
- Isso concordo.
- Ele fez bem. Fez muito bem. Devia tê-lo feito há mais tempo. Foi um bocado rude mas hoje compreendo o seu desespero. Os americanos também são todos democráticos mas quando lhes cheira a esturro, são brutos para caraças e eles não humilham só jovens como nós, fazem-no indiscriminadamente.
- Se não se põem a pau, nem os mísseis skude os safam - Disse Cristina.- A droga está a entrar-lhes porta dentro.
- A droga entrou-lhes na engrenagem e ou eles fazem como no Iraque ou nunca mais lá vão. Os governos dos países onde se produz a droga são incapazes de acabar com o flagelo. Aquilo que era cultura de subsistência tornou-se cultura extensiva, ao principio com o apoio dos próprios governantes para resolverem problemas do país. Agora o feitiço já se virou e eles sem ajuda não conseguem fazer nada porque os gangs e os cartéis da droga estão cada vez melhor organizados. Neste momento só uma intervenção dos Estados Unidos conseguirá erradicar a praga. - Disse Francisco, entusiasmado consigo próprio.
Eu estava admirado. Tanto um como outro falavam abertamente sem se preocuparem comigo. O trabalho e os chás, que bebiam à hora das refeições e sempre que sentiam sede, tornara-os, outra vez, seres normais para quem a vida voltava a ter gosto. Eu sabia que podiam ainda surgir dias menos bons, mas o caminho estava traçado.

A MENTALIZAÇÃO DAS ILUSÕES

Hoje, Francisco não se conseguiu levantar, tal como o fumador que largou o cigarro há anos e que de vez em quando ainda sente e tira pedacinhos de tabaco da garganta, do mesmo modo, Francisco continuava a receber, no corpo, o látego da falta de droga.
- Eu vou morrer. Eu vou morrer.
- Está descansado que não morres.
- Sinto-me tonto. Anda tudo à roda. Dê-me só um charro.
- Dê-lhe um charro. - Pediu Cristina.
- Não tenho.
- Ele vai passar um mau bocado.
- Descontrai-te. Relaxa os músculos. Não tenhas medo que o corpo não se desfaz. - disse-lhe rindo.
- Por favor, não goze. Ajude-o. Eu sei o que é isso.
- Eu estou a ajudá-lo. Estou aqui. Ele tem de ter vontade.
- Não há vontade. O produto vai ao fundo das emoções, e o corpo contorce-se em espasmos que nos flagelam, milímetro a milímetro a pele. Francisco está a sofrer horrores. Dê-lhe, pelo menos, alguns comprimidos
- Está bem. Vou buscar dois ou três comprimidos.
- Traga mais.
Fiz uma mistura de eucalipto, alfazema, hortelã pimenta, rosmaninho e camomila, agarrei em duas aspirinas e dei-lhas, com o chá. Passados alguns minutos, Francisco estava outro. Ainda muito debilitado mas estava outro.
- Este desespero, nunca mais passa. Andava tão bem. Está a ver, se não me desse um sucedâneo parecido com a droga, eu já não me levantava daqui.
Naquele momento tive a confirmação que, o pior da droga, é afectar a parte psicológica. É aquela ansiedade em satisfazer a carência, que ficou mentalizada e os faz descer ao estrume da vida.
- Já passou. Foi Norflex ou Normison que me deu?
Respondi-lhe com o sorriso.
- Estás impecável.
- É a cabeça. Quando estiver bom, acabo o meu curso e a seguir entro em medicina para estudar a vida das células. Há células que são maluquinhas por droga.
- São gulosas.
- É isso. E eu que me lixe. O segredo está nas células.
- A citologia vai ser a base da tua especialização.
- Está no estudo aprofundado das células o segredo de ficar agarrado desta maneira.
- E o corpo?
- O corpo sofre o reflexo. São os músculos. Ficam atrofiados como se encolhessem e não quisessem voltar a distender-se.
- E tu, e todos os que se drogam, sabendo isso, insistem.
- São as células. Os doentes mentais, muitos deles, são pessoas perfeitas de corpo mas o cérebro está contaminado e eles fazem toda a espécie de disparates. A nós acontece-nos o mesmo. Ficamos tolinhos. Transformamo-nos em autênticos animais ferozes e capazes de tudo para arranjar mais uma dose.


AS VEDETAS DO MUNDO DO ESPECTÁCULO

- Ainda aí está?
- Já te sentes melhor?
- Já. A Cristina deu-me mais um pouco dos seus chás. Sinto-me bem. Hoje não me apetece trabalhar. Se quiser falar sobre os psicotropos e as suas consequências, por mim, tudo bem.
- E não te aborreces?
- Eu quero é ver-me livro disto! Quanto mais falar, coisa que evitava sempre, ou dava meias respostas, agora estou pronto a colaborar.
- Achas alguma vantagem nos alucinogéneos?
- Sim. Em doses reduzidas e tomados sob fiscalização apertada.
- Qual a vantagem?
- A droga aumenta-nos a sensibilidade, sobre isso não há qualquer dúvida. O reverso da medalha está na habituação. Aí é que é o caraças. E é muito difícil um tipo não se deixar envolver.
- Dá exemplos.
- Por exemplo, o professor fuma pouco, mas no dia em que está chateado e preocupado em vez de meio maço por dia, fuma um ou dois. Isso não lhe fará grande mal porque o corpo está habituado e a droga, tabaco, perdeu já o seu efeito mágico. Agora se o fizer na mesma proporção com haxe, aí já entrou em parafuso e se utilizou algumas miligramas das drogas duras, cocaína, heroína, morfina, LSD, aí já voa nos espaços e pode chegar a rebentar, se ela se encontrar no estado puro.
- E o prazer?
- O grande gozo é o aumento da sensibilidade até ao infinito. É isso que fica gravado na cabeça.
- Como terminar com esse eufórico caminho para a loucura?
- Só eliminando a droga. Eliminando, não há. Tem de fatalmente se esquecer.
- Porque dizes isso?
- Depois de estarmos agarrados e entrarmos a ressacar é muito difícil sair da engrenagem, a menos que ainda sejamos apanhados no princípio. Caso contrário só a privação total e sem hipótese de consumo será capaz de tirar esta ideia da cabeça. Aí, ou nos curamos ou nos suicidamos como tem sucedido com tantos nomes do teatro, do cinema, da canção, enfim, do mundo artístico.
- E porque são esses os mais atingidos?
- Porque querem dar sempre o melhor, ser sempre os mais perfeitos, os mais profissionais, aqueles que ficam na memória dos fãs e das fãs. Infelizmente ficam por pouco tempo. A factura é demasiado alta.
- Morrem cedo.
- O mais grave é que eles influenciam milhões. Nós já estamos motivados. Aparecem eles com todo o speed, são os nossos ídolos, queremo-los imitar e aí vamos nós.
- Eles são o chamariz?
- O grande marketing dos traficantes de droga são as vedetas do mundo do espectáculo, a quem são fornecidas todas as doses que eles pretenderem e gratuitamente apesar de eles, sim, poderem pagar o produto.
- Os traficantes não são estúpidos.
- Mas são amorais. Para eles a vida, o bem estar de quem utiliza as drogas é-lhes indiferente. O seu négócio são os números que eles empregam para comprar tudo o que lhes é oferecido e alguns ainda se dão ao luxo de serem senhores comendadores porque oferecem hospitais, creches, escolas. São os comendadores da morte branca e os maiores compradores de consciências.

NÃO METEM OS LOUCOS NO MANICÓMIO?

- O Francisco foi-se deitar?
- Foi
- Ele não anda bem. O Francisco não vai aguentar a privação. Devia dar-lhe um pouco de haxe. Isso iria descomprimi-lo.
- Como assim?
- O gozo de espalhar a resina do haxe no cigarro e colocá-lo de novo na mortalha é um ritual do baril. Só isso já dá gozo. As fumaças e o desejo de nos inebriarmos naquelas sensações já é meio caminho para nos dar energia e uma visão mais apurada das coisas. Acredite. O haxe, fumado com regra, não causa habituação, nem produz qualquer efeito secundário. Dá muito gozo e mais vivacidade de pensamento.
- Fala a experiência.
- Não foi o haxe que me agarrou. Foi a coca. Com o Francisco aconteceu a mesma coisa. Fumou haxe durante anos e foi a heroína que o agarrou.
- O haxixe, não?
- Com o haxe é preciso uma razoável quantidade para entrarmos numa espécie de êxtase onde todos os sentidos participam e gozam. Com a coca, que é o meu caso, ou com a heroína, que é o caso do Francisco, bastam uns miligramas para todo o corpo cantar hossanas em louvor da suprema felicidade e ao gozo eterno.
- Isso parece-me mais uma alucinação do que um gozo real.
- Chame-lhe o que quiser. Alucinação, erro dos sentidos, fuga de nós próprios. Tudo isso. Mas ninguém poderá negar o bem estar depois de uma chatice, de um problema insolúvel que nos mata de terror.
- Depois... preferem morrer encharcados de droga e de prazer.
- Não. Com haxe não. Há países que já despenalizaram as drogas leves. As outras, há que eliminá-las definitivamente porque só saber que existe uma pequena possibilidade de as encontrar no mercado já põe tudo maluco à procura delas. Ou as eliminam, ou elas irão eliminar países inteiros.
- Será assim?
- É. Os países mais pobres, onde a miséria continua a ser o prato forte, como não têm possibilidade de competir economicamente com os países ricos, arranjaram um meio de prover à sua subsistência. Fornecem droga. Primeiro, a alto preço e mais tarde ao preço de uma chupeta. Vai ver que isto é assim, a menos que as políticas egoístas dos países mais desenvolvidos ensinem e ajudem estes países a sair da sarjeta.
- E que países são esses?
- Na América Latina, os casos da Colômbia, da Bolívia e do Peru são os mais evidentes. Do outro lado o Paquistão, o Afeganistão, a Turquia invadem tudo através da rota dos Balcãs. Veja o caso do Afeganistão. Ele é, talvez, o maior fornecedor de heroína e no entanto os Estados Unidos fecham os olhos para que eles continuem a comprar armas e a matarem-se uns aos outros. Eles esquecem-se que a morte do mundo ocidental vem vestida de heroína.
- Sabes mais do que julgava. Peço-te desculpa.
- É natural. O meu estado não oferecia qualquer credibilidade. Sinto-me outra. O sufoco acabou. Ainda bem que ficámos aqui e que tivemos alguém que dissesse basta.
- Fico feliz por concordares.
- Democratizar, não pode ser sinónimo de hipocrisia e de bananice! Fizeram bem. Já que nós não sabemos o que fazemos, que haja alguém, que tenha a coragem e a honradez de nos meter na ordem! Não metem os loucos nos manicómios, queiram eles ou não e sejam novos ou velhos? Então, porque não nos hão-de privar de droga, se nós estamos incapacitados de raciocinar correctamente, e somos muito mais perigosos que eles, quando a droga nos falta?

NÃO TENHA PENA

Dois dias depois da recaída, Francisco apareceu radiante.
- Já estou outra vez de volta. Foi mais uma viagem aos infernos. Mas não tenha pena de mim. Eu julgo que isto me acontece quando recordo o passado e aquilo que fui capaz de fazer. Quando vejo as baixezas que cometi e a perda de todos os padrões de conveniência, fico arrasado.
- Mais uns dias e tudo isso passará.
- É a vergonha que mata. Só se sair do país eu voltarei ao normal. De outra forma vai ser muito difícil, embora eu tente convencer-me do contrário.
- A memória das pessoas é muito curta.
- Mas as pessoas com quem eu pratiquei os actos mais abjectos?
- Elas também não querem que se saiba. São indíviduos depravados, sem escrúpulos e com dinheiro, por isso interessados em continuar a praticar toda a casta de canalhices sem que isso venha para o domínio público.
- E se fazem chantagem?
- Que chantagem? Perante o chantagista conhecido, nada melhor do que um bom advogado para servir de elo de ligação com a polícia. Não tenhas receio. Logo que ele ouça o advogado, a chantagem acabou antes que o tiro lhe saia pela culatra.
- Oxalá que seja assim.
- Podes ter a certeza.
- Eu gostava de me redimir ajudando a acabar com a droga pesada. É essa que põe em polvorosa as populações e mais cedo ou mais tarde vai acontecer o mesmo que na Jugoslávia.
- Que foi?
- Tito armou toda a gente para se defender da invasão nazi. O lema era; cada homem defende o seu palmo de terra. As armas estavam em todas as casas. Resultado, as pessoas não foram desarmadas depois da guerra e mataram-se umas às outras. Daqui a pouco acontece de modo idêntico. Formam-se milícias populares por todo o lado, que acabam por resolver muito pouca coisa contra os traficantes, mas podem causar graves problemas aos governos.
- Que propunhas?
- Destruir os santuários da droga. Ajudar os camponeses que vivem dessas culturas e arrasar totalmente as fábricas que os traficantes escondem por todo o lado.
- Isso é muito difícil.
- Está a brincar comigo. Não vimos os radares iraquianos serem destruídos um a um, por mais escondidos que estivessem? Não vimos arrasar minúsculos carros de assalto a distâncias e em lugares impensáveis? Então do que estão à espera? Se existem aviões capazes de detectar uma agulha no deserto, não me diga que é assim tão complicado acabar com fabriquetas de heroína e com os próprios traficantes. E viu-se. Quando eles quiseram acabar com Pablo Escobar, acabaram.


MISERÁVEIS, ESCONDIDOS NA CAPA DA MENTIRA E DA SIMPATIA

Hoje foi o primeiro dia em que Francisco e Cristina saíram e adivinhem para quê? Fazer uma palestra na escola sobre os perigos da droga.
Francisco abriu a sessão.
- Chamo-me Francisco e fui drogado durante alguns anos. A minha mulher é a Cristina e também viveu este pesadelo. Entrou na droga por minha causa ao pretender ajudar-me. Para evitar um monólogo comprido e aborrecido, proponho o diálogo; pergunta e resposta. Estão de acordo?
- Estamos. - Responderam em coro os 22 alunos daquela turma.
- Podem começar as perguntas.
- Droga e alucinogéneo são a mesma coisa?
- Droga é toda a substância que se utiliza como ingrediente na tinturaria, na química e na farmácia. Por isso o alucinogéneo é considerado uma droga com a particularidade de modificar o pensamento, de produzir alucinações artificiais ou estados de grande excitação.
- Estes produtos são conhecidos desde a antiguidade ou só agora é que foram descobertos?
- São conhecidos desde a antiguidade. Embora só agora tenham sido usados exageradamente e tragicamente. Galeno escreveu sobre eles.
- Quem foi Galeno?
- Galeno foi um médico grego que viveu nos anos 131 a 201. Ele estudou profundamente as plantas. O método galénico ainda hoje se usa e diz respeito aos produtos que em farmácia são manipulados tendo como matéria prima as plantas. São os medicamentos vegetais ou galénicos, assim chamados para os diferençar dos produtos químicos ou espagíricos.
- Os hippies tiveram alguma culpa na divulgação das drogas?
- Os hippies tiveram muita culpa no alertar para o prazer que o LSD concedia. Esta divulgação foi feita por um professor de psicologia, talvez bem intencionado, mas incapaz de controlar os efeitos da droga consumida em excesso.
- Quem foi esse professor e por que fez isso?
- Foi Timothy Leary que, tendo trabalhado no Centro de Investigação sobre a personalidade na Universidade de Harvard, ao fazer estudos sobre o LSD, um composto descoberto por Albert Hofmann, químico alemão, e produzido através da cravagem do centeio, convenceu-se que o LSD, em pequena quantidade, faria que as pessoas se tornassem melhores, mais compreensivas, entendessem melhor o mundo e lhe dessem a dimensão que na realidade ele devia ter e, por isso, os hippies nos aparecem no meio dos campos, com flores nas mãos, fatos despretensiosos e gentis.
- O que é a cravagem do centeio?
- A cravagem do centeio é uma pequena espora ou corneta que aparece nas espigas de centeio devido a um pequeníssimo cogumelo parasita e a torna altamente venenosa. Mas, tudo o que aparece na natureza, tem de ser aproveitado com conhecimento. Esta cravagem, depois dos tratamentos adequados serve para tratar a esclerose cerebral e a falha de memória. A cravagem, no seu estado puro, é altamente perigosa.
- Todos concordaram com a ideia do Prof. Leary?
- Não. Muitos investigadores, mais realistas, alertaram para os perigos que daí poderiam advir. Leary foi avisado para parar com a difusão e aconselhamento do produto. Leary não acatou ordens e foi demitido da Universidade. Fundou a Revista Psicadélica, que se tornou o guia dos hippies ou filhos das flores e, de repente, deu-se o que tinha sido previsto: a droga, quando se ingere, faz que o corpo peça sempre um pouco mais na vez seguinte. As pessoas que eram calmas tornam-se violentas e os crimes sucedem-se.
- O que se entende por psicadélico?
- O que está sob o efeito de um alucinogéneo.
- E o que são psicotropos?
- São substâncias capazes de tornar diferentes os sentimentos, e a compreensão do que nos rodeia.
- O Francisco sentia-se bem quando tomava esses produtos?
- Ao principio sentia-me muito bem, mas as consequências foram desastrosas.
- Deixou-as porque quis?
- Fui obrigado a fazê-lo. Digamos que todos os drogados desejam ser obrigados a desintoxicarem-se.
- Obrigados?
- Sim. Por nossa própria vontade nunca conseguimos sair do pântano onde caímos. Um drogado é como o viciado no jogo; ou o tiram de lá, ou se desgraça a ele e à família.
- Sente-se liberto?
- Ainda não sei se estou limpo. Isto leva tempo.
- Isso acontece porquê?
- A droga vai submeter quem a toma, ela subjuga-nos ao ponto de sermos verdadeiros escravos de alguns miligramas do produto. Deixamos de ter vontade própria. Não respeitamos os amigos, os pais, os conhecidos. Não respeitamos ninguém quando nos falta a droga.
- Mas eu conheço drogados que são muito simpáticos.
- Quando estamos sob o efeito da droga somos uns gajos porreiros e muito simpáticos. Somos até mais brilhantes que os outros, parecemos os maiores. No fundo, somos autênticos miseráveis escondidos na capa da mentira.
- Por que diz isso?
- Porque a maioria dos drogados vai cativando previamente aqueles que, mais cedo ou mais tarde, vai enganar roubando ou proceder de maneira ainda mais violenta. Desde que falte a droga, o drogado não reconhece ninguém a quem respeitar; rouba ou prostitui-se indiferente às consequências.
- Pensa que o haxixe é uma droga perigosa?
- Foi do árabe haxixin que derivou a palavra assassino. O haxixe e a marijuana, que praticamente são a mesma coisa com nomes diferentes, só são perigosos se foram fumados ou mascados em excesso. O haxixe, tal como o álcool, o tabaco ou os fármacos tem de ser usado como quem fuma um cigarro, mas em número menor do que estes. O ideal é passar sem ele porque causa dependência e “apaga” células úteis ao normal funcionamento do cérebro.
- Gostaria de fazer duas perguntas. A primeira, o que significa mascar e a segunda, é se este produto traz algum beneficio ao corpo?
- Mascar, significa mastigar sem engolir. Como disse atrás, o haxe fumado na base dos quatro ou cinco cigarros por dia, pode, em algumas pessoas, dar-lhes um pouco mais de clarividência, torná-las mais intuitivas, o raciocínio ser mais claro e o trabalho mais produtivo. Mas não acho que valha a pena.
- Porquê?
- A inteligência também se desenvolve, não precisa de coadjuvantes para se manifestar.
- Apoiaria a liberalização das drogas leves?
- Só com a erradicação total das pesadas.
- Como é possível eliminá-las?
- Com ataques sucessivos aos postos de abastecimento de maneira que os grandes traficantes entendam que, ou eles acabam com o comércio e com as plantações ou é necessário acabar com todos eles, por mais que a vida humana mereça respeito. Não se pode respeitar a vida de quem destroi muitas vidas todos os dias! Na guerra também se matam milhares de soldados inocentes, que estão ali porque são obrigados e ninguém se preocupa com eles. É urgente acabar com a hipocrisia.
Deixo-vos a Cristina. Estou cansado. Doi-me, tremendamente, a cabeça. Este é um dos resultados da droga. O corpo envelhece antes do tempo, fica mais débil. Tenho de fazer um intervalo.


AS CONSEQUÊNCIAS DO CONSUMO

- O Francisco foi descansar. Isto acontece frequentemente em quem andou metido nas drogas. O corpo amolece, falta a força, falta a respiração. Começa a faltar-nos tudo.
Eu sou a Cristina, mulher do Francisco, e tenho os mesmos problemas embora me drogasse com cocaína. Digamos que os resultados finais com as drogas duras, como a heroína, a cocaína, morfina e LSD são idênticos embora as maneiras de sofrer sejam um pouco diferentes. Aquela que eu usei é mais violenta nos efeitos e nas consequências logo que o produto falta e entramos em ressaca.
Estou à vossa disposição para responder às perguntas.
- Se a droga mata o corpo e confunde o pensamento, porque é que os jovens se drogam?
- Porque são inconscientes, porque não pensam no perigo que vão correr. Pensam só no prazer imediato, esquecem-se das gravíssimas consequências futuras. Muitos desejam morrer rapidamente tal é o sofrimento que causa.
- E a Cristina e o Francisco, sabendo isso, continuavam a drogar-se?
- Porque desde que estejamos agarrados pela droga não somos capazes de sair só pelos nossos próprios meios. A droga, quando falta, causa dores e uma ansiedade tão grandes que o mundo deixa de existir à nossa volta. O nosso pensamento só está concentrado em obter droga para aliviar aquele desespero que se assemelha aos últimos momentos de um moribundo.
- E, mesmo assim, muitos continuam a insistir na droga. Veja se nos sabe dizer porquê?
- Os jovens querem mostrar que são os maiores, os mais fortes, os mais inteligentes, que não têm medo e experimentam uma, duas, três, dez vezes e, de repente, estão agarrados. Começam então a sofrer as tais dores de que falei. Aí toda a força se transforma em fraqueza. Perdem todo o sentido das conveniências, são capazes de fazer as coisas mais vergonhosas para arranjar um pouco de droga só para aliviar as dores. Já nem se pensa no prazer, tal é o sofrimento.
- O efeito da droga dura muito tempo?
- É consoante a quantidade. A droga só dá para algumas horas mas o corpo precisa de ser continuamente alimentado o que é muito difícil de conseguir e, quando se consegue, a morte prematura é aquilo que acontece com frequência.
- Porquê?
- Porque o corpo exige sempre doses maiores e o drogado, muitas vezes, perde a noção das quantidades. Injecta-se com uma dose maior do que aquela que ofereceria menos perigo. Toma uma overdose e morre.
- É a roleta russa.
- Disseste bem, o toxicodependente ao carregar a seringa, faz o mesmo que os jogadores de roleta russa. Eles agarram no revolver, metem uma bala, rodam o tambor e disparam sobre a cabeça. Se têm o azar de a bala ter ficado na linha entre o percutor e o cano, morrem.
- A pistola dos drogados é a seringa?
- É. Muitas vezes pedi a morte. Devo-o confessar. Não é muito bonito de dizer. Mas é a verdade. Assim, vocês ficam a saber exactamente as fases por que um drogado passa. A droga é a maneira mais dolorosa de alguém se auto-destruir. O sofrimento é milhões de vezes maior que o prazer.
- Pediu a morte, muitas vezes?
- Sim, muitas. Hoje sinto-me feliz por estar viva. Foi muito difícil sair daquela atracção fatal. E continuo a dizer-vos que, sejam quais forem as tentações que tiverem, ou aquilo que pretendam mostrar, nunca aceitem drogar-se. O drogado é o indivíduo que desce mais baixo na escala social. É mais nojento que o vagabundo mais miserável e não tem hipóteses de salvação se a sociedade não se impuser. Mesmo que ele grite que não é democrático e que os direitos humanos estão a ser violados, ele tem de ser desintoxicado, limpo, tratado e vigiado, durante algum tempo.
- E os direitos humanos não estão a ser violados?
- Não. Quando ele assalta, mata e se degrada prostituindo-se, também os direitos humanos estão a ser violados em consequência do seu estado mental estar alterado.
- O que podemos fazer?
- Como já afirmei: desintoxicá-lo sem contemplações, mas sem brutalidade. O drogado tem de tomar, de novo, consciência que regressou à vida.
- Se ele não quiser?
- Ele não tem de querer. Embora renitentes e contrariados, todos os drogados estão ansiosos que alguém os liberte daquele sofrimento. Rejeitam, iludem, dizem que não, pois sabem que os primeiros dias são muito difíceis mas depois, quando estão limpos, ficam felizes e tentam esquecer, rapidamente, a degradação em que tinham caído.
- Mas, por que rejeitam?
- Porque não estão em condições psicológicas para agir de outra maneira.


O DROGADO É UMA BOMBA AO RETARDADOR


Francisco voltou com ar cansado mas sorridente.
- Há mais perguntas?
- Eu gostaria, em nome de todos os jovens, de lhes agradecer a coragem por nos terem falado tão abertamente num problema que os ex-drogados não assumem. Agora, colocava-lhe a seguinte questão: É possível acabar com a droga?
- É.
- Qual a atitude que a família deve ter perante um familiar toxicodependente?
- A família de um drogado não o deve esconder, nem ter vergonha que as outras pessoas saibam. Elas acabam sempre por saber. É melhor que todos o conheçam para ser mais fácil a detecção de quem lhe vende drogas. Esconder é prolongar o sofrimento. Os pais que fazem isso, são cúmplices morais da degradação dos filhos.
- Podemos confiar num drogado?
- Nunca confiem num drogado por mais promessas, juras ou ameaças que ele faça. O drogado tem de ser vigiado vinte e quatro horas por dia, como se faz a uma criança confusa e irrequieta.
Falar, alertar para evitar a contaminação geral é o dever de todos os que descobrem um drogado. Ele agradecerá mais tarde, embora se revolte no momento em que é desmascarado e sabe que os seus passos são seguidos.
- O drogado é responsável?
- O drogado não mede a gravidade dos seus actos. Não se importa com as consequências e se vai ou não provocar danos irreversíveis à pessoa que prejudica. Para ele tudo lhe é indiferente porque o seu estado psíquico está profundamente alterado.
- Como devemos proceder na escola?
- Digam aos professores quem anda a oferecer droga, a vender droga e a drogar-se. Os pais e professores saberão alertar as autoridades dando nomes sem que os vossos amigos sejam castigados, mas sim, vigiados, para que os pequenos traficantes sejam seguidos e, através deles, se chegar aos grandes traficantes.
- O papel dos media é importante?
- A Comunicação Social é muitíssimo importante. Jornais, revistas, rádio, televisões. Todas as televisões do mundo, enquanto o flagelo não for eliminado, deveriam transmitir, uma vez por semana, um programa com a visão de miséria e degradação de como vivem ou morrem os drogados, indicando os números de overdoses, de suicídio e de prostituição em que caiem, tanto os de menos recursos, como aqueles cujos pais têm mais possibilidades. Essa divulgação fará muitos jovens pensar duas vezes antes de caírem no engano. Os outros meios de comunicação seguiriam linha idêntica segundo casos concretos de que tivessem conhecimento, apresentando-os com toda a sua fealdade para que um sentimento de vergonha e de horror invada todas as consciências de modo a forçar os governos a actuar em conjunto e com eficácia.
- O drogado é um ser normal?
- Não. O drogado transforma-se num aborto humano com a aparência de um ser normal. Aqui está o grande perigo, tanto para o drogado como para a sociedade. O drogado transporta consigo um vírus mortífero com a aparência de um sedutor. Ele é capaz de captar a simpatia, o carinho e a confiança daqueles que o rodeiam só para destruir enganando, roubando, violando, matando, até que finalmente ele se aniquila no meio de dores horrorosas. Só no estertor da morte ele compreende toda a gravidade dos seus actos. Para muitos, isto já não serve para nada. Para trás ficou a dor, a desolação, a desonra e a vergonha.
- É assim tão humilhante e tão perigoso?
- É. O drogado transforma-se numa bomba ao retardador que vai explodir num local imprevisível e que facilmente pode ser comandado pelos terroristas internacionais que farão dele o correio da morte explosiva como hoje fazem dele o correio da morte branca e o hóspede privilegiado das prisões.
- Servem as prisões para a sua recuperação?
- Não. Diria que servem para ajudar na sua degradação.
- Porquê?
- Porque aí, onde devia ser suposto não existir droga, é onde ela passa impunemente. Perante esta situação, se num sitio restrito e vigiado a droga circula livremente, ninguém acredita que os governos a desejem eliminar.
- Que deveria fazer o governo?
- No caso das prisões, é urgente que nem um grama aí entre sob pena do descrédito total do governo. Se não é capaz de evitar as drogas nas prisões, é evidente que nunca o conseguirá evitar a nível do país.
- E a nível mundial?
- É tempo de todos os governos se unirem para destruir todas as culturas e fábricas de drogas, estejam elas escondidas onde estiverem. A droga é o inimigo número um da humanidade.
- Como podemos ajudar?
- A salvação do drogado está na sua vigilância e no impedimento de ele obter droga.
- Podemos acreditar num ex-drogado?
- A reinserção do ex-drogado na sociedade deve fazer-se de uma maneira natural mas sempre sob apertada vigilância.
- Há mais alguma pergunta? Não há.
- Foi muito bom estar convosco. Nunca esqueçam: A droga é o passaporte para a morte.
É democrático, através de todos os meios, eliminar a droga.


CONCLUSÃO

Francisco, Cristina e o pequeno Carlos há muito que vivem felizes. O pesadelo passou. Foi necessário um pulso forte, mas passou. Ao despedirem-se, disseram-me:
Tinha razão. As pessoas esquecem rápido. Sentimo-nos limpos e sãos como nunca tínhamos estado.
Nós tínhamos medo da ignorância, da inveja e da maledicência das pessoas. Tínhamos medo dos mexericos, do diz-se, diz-se e das intrigas mais abjectas daqueles que, por não saberem viver a sua própria vida, tentam envenenar a dos outros. Afinal, todos foram compreensivos.
Sentíamo-nos marginalizados devido à vida que levávamos. Isso pesava na nossa mente.
Penso que foi boa ideia ter-nos incitado a fazer palestras nas escolas, aí compreendemos a finalidade da vida e sentimos a responsabilidade de todo o ser humano na preparação da felicidade para as gerações vindouras..
Aí tivemos consciência do erro que estávamos a cometer ao drogar-nos. Foi uma luz que brilhou, de repente, nas nossas consciências e perguntou: “Queres que o teu filho seja um aborto lançado no caixote do lixo e da degradação mais sórdida, ou preferes que ele ria com a exuberância da juventude e salte e corra, estuante de felicidade?” Isso incitou-nos a acabar o curso.
Quando fomos às escolas e vimos a maneira aberta e sã como éramos recebidos, sem nenhuma espécie de rejeição, recebemos alento, recebemos força. A alma dos jovens lavou-nos a fealdade e o desencanto do tempo em que tínhamos sido toxicodependentes. Sentimos, no nosso interior, que tanta pureza, tanta insegurança na subida das escadas da vida tem de ser acompanhada por professores que ensinem as regras de conduta, para que o conhecimento, a paz, a prosperidade e o amor sejam as eternas sementes da vida.

COMPOSIÇÕES DE ERVAS UTILIZADAS NA DESINTOXICAÇÃO

Para os chás utilizar 25 gramas do conjunto de todas as plantas em partes mais ou menos iguais, para um litro de água. Ferver durante 5 minutos e deixar em infusão 15.
Nota: Perguntar nos ervanários ou nas casas de produtos naturais pelas plantas aqui indicadas.
1º Endro, anis verde, badiana da china, vidoeiro
2º Valeriana, pinheiro.
3º Hipericão, hortelã pimenta, segurelha
4º Alecrim, hera terrestre, feno grego, pé de leão
5º Casca de carvalho, consolda, hera
6º Acácia bastarda, aipo, tomilho
7º Choupo, manjerona, tília
8º Zimbro, Rosmaninho
9º Rosmaninho, hissopo
10º Flor de laranjeira, manjericão grande, Camomila, erva cidreira, rosmaninho
11º Eucalipto, alfazema, hortelã pimenta, rosmaninho, camomila.

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